antes disso, nos primórdios da filosofia moderna, mais específicamente, na
Critica da Razão Pura, Kant chama os céticos, os pessimistas da razão, de
nômades espantados por se estabelecerem definitivamente sobre uma terra, e
nesse sentido, a Inglaterra, periférica à Europa, porém, não mais do que a
Rússia e a Espanha aliás, é a obsessão de um forte estado territorial, como a
Alemanha. Os ingleses são, justamente, esses nômades que, como diziam
Deleuze e Guattari, tratam o plano de imanência como um solo móvel e
movente, um campo de experiência radical, um mundo em arquipélago, onde
eles se foram se instalando, de ilha em ilha, sobre o mar. Os ingleses
nomadizam sobre a velha terra grega fraturada, fractalizada, estendida a todo o
universo. Não elaboram, a rigor, conceitos, como os franceses ou os alemães,
mas os adquirem e deles se apropriam (DELEUZE E GUATTARI, 1991: 100-101).
Gilberto Freyre, grande admirador dos ingleses, dedicou-lhes um volume de
ensaios em plena época da guerra, onde admitia
Aos meus olhos, talvez turvados por um amor físico e ao mesmo tempo
místico à Inglaterra que resiste ao horror quasi químico à companhia do
inglês medio com todas as suas virtudes, a terra dos anglos me parece
continuar, quasi como nos velhos dias de Gregorio, uma terra habitada
tambem por anjos; ou, pelo menos, visitada por anjos e iluminada pela
sua presença. Um centro de irradiação de valores angélicos, puros ou
deformados, por sobre a Europa e humanidade vítimas de muita
exploração da pirataria inglesa: a franca e a disfarçada; mas, por outro
lado, grandemente beficiadas por novos valores ou combinações novas
de valores velhos, saidas da Inglaterra. Produzidas pelo seu genio
angélico de combinação do novo com o velho; do complexo com o
simples; do natural com o artístico; do quotidiano com o fantástico. Valor
angélico me parece, antes de qualquer outro, a lingua inglesa, à parte da
literatura. Lingua quasi sem gramática que tende a aproximar os homens
– função genuinamente angélica – enquanto as linguas de gramáticas
diabolicamente complicadas tendem a separá-los (FREYRE
, 1942: 21-
22)
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E acrescenta: “A mais simples das linguas modernas é, na verdade, a inglesa. Sua
gramática é quasi um peixe sem espinhas para a boca dos meninos das quatro partes
do mundo. Entretanto em inglês é que escreveram obras profundas, densas e
complexas, poetas como Milton e Robert Browning, romancistas como Meredith e
Joyce, ensaistas como Newman e Matthew Arnold, místicos como Blake, cientistas
como o primeiro Huxley. E para o inglês de Shakespeare é que correrram, como para
um rio-mar, à procura de expressão univeral, lendas e dramas escondidos em idiomas
quasi sem vida pública, idiomas quasi domésticos como o dinamarquês”. FREYRE,
1942: 21-22.