temos uma figura" (BLANCHOT, 2007: 241). Se em Bartleby há recusa, ainda
que suave, é mais pelo silêncio do que pelo enfrentamento. E se Bartleby pode
ser visto como uma "reserva de anarquia" (BLANCHOT, 2007: 242), talvez isso
explique seu discreto charme 68 que ele ainda pode encarnar hoje em dia. Mas
recusa e aceitação parecem ser palavras insuficientes para o que procuramos.
Para se entender Prima Biela há que se afastar um pouco das energias
rebeldes, utópicas que incendiaram corações e mentes do Dada à
contracultura, dos ideários comunistas e anarquistas, das revoluções sexuais,
comportamentais dos beatniks, hippies, punks e dos ciberartivistas reunidos
em fóruns sociais globais, pela internet ou ocupando Wall Street.
Talvez só mesmo retomando a ressaca dos anos de 1970 e sem aderir
ao conservadorismo do consumismo é que podemos talvez recuperar estas
vozes soterradas à sombra de Felicité e de Prima Biela, figuras mais da
invisibilidade (ou da opacidade?) e da discrição do que da recusa e do
confronto. Isso para, talvez, enfrentarmos não tanto o mundo das grandes
ideias e transformações, mas o dia a dia, o cotidiano, que bem pode ser o
espaço da opressão, da repetição, do mesmo, mas pode ser o espaço da
reinvenção, da conquista feita pouco a pouco.
A busca do comum vem da impossibilidade de vivemos a orgia perpétua,
na expressão de Mario Vargas Llosa, como bem descobriu outro personagem
de Flaubert, Madame Bovary; de vivermos o êxtase permanente e o confronto
com nós mesmos quando as máscaras da noite caem e aparece um outro
rosto, uma outra máscara com a qual temos que lidar, sem escapatória, mais
cedo ou mais tarde, nem que seja na solidão de nossos quartos.
Biela é trazida da fazenda após a morte do seu pai para a casa de
primos em uma pequena cidade. No início, ela não consegue habitar o lugar, o
espaço que lhe é destinado, a não ser para se sentir distante. Mas pouco a
pouco muda, já se sente outra quando é rodeada por seus pertences e começa
a compor uma rede de afetos. Se Marcel, o narrador de Em busca do tempo
perdido, parte pelo aristocrático caminho de Guermantes, Biela descobre algo
mais modesto na própria casa em que morava. “Até que descobriu o caminho
da cozinha. Lá com a velha Joviana e Gomercindo, com a gente miúda, se
sentia mais à vontade, como se estivesse na fazenda do Fundão (GUIMARÃES,