Byron, “Para uma sobrevivencia” Revista de estudios literarios latinoamericanos
Número 8 / Julio 2020/ pp. 111-135 127 ISSN 2422-5932
singular, multifacetada e heterogênea. Não é o epifenômeno de uma
deidade única e abstrata” (Rivera Cusicanqui et al., 2010: 3). Os
caminhos são lugares de trânsito de minérios, mas também são os
lugares do trabalho, da procissão sagrada ou festiva, da reflexão e da
constituição de legitimidades de lideranças locais, de rebeliões como
a de Tupac Katari em 1781. E os caminhos estão interligados por
pontos estratégicos –os templos de Carabuco, Caquiaviri,
Chuchulaya, Guaqui, San Pedro, Tata Gran Poder, etc.– que servem
tanto à organização produtiva quanto à organização política
“articuladora das rotas mercantis entre Qusqu e Potosí, através dos
caminhos/kipus que amarraram a coca com a prata” (8). As pinturas,
por sua vez, não foram somente “ornato e legitimação dos saques e
genocídios coloniais”, mas também foram ressignificadas localmente,
de acordo à ritualidade indígena.
Deste modo, a ênfase não está somente sobre as estruturas e
cadeias de dominação, mas também, e principalmente, sobre os
espaços concretos de negociação e resistência –negociação e
resistência que, claro está, têm as mulheres indígenas como agentes
fundamentais, como evidenciam as muitas fotografias que no
catálogo Princípio Potosí Reverso (2010) representam mulheres
habitando e trabalhando nos espaços supraditos. Assim, enquanto a
exposição focava uma cartografia mundial, a contra-exposição
reterritorializava as pinturas barrocas, fazia ênfase no contexto de
produção e uso dessas imagens sagradas, atravessadas pelas lógicas
coletivas em que estiveram e estão inseridas.
O que vemos nos olha: note-se o contraste com a proposta de
María Galindo. Enquanto essa proposta partia do pressuposto de
uma imposição patriarcal colonizadora, a proposta de Silvia Rivera
Cusicanqui entende artistas e mulheres, na sua relação com a
sacralidade barroca, como agentes ativos da sua própria história. Não
vítimas exclusivamente, mas força de resistência, de alegria e de
preservação da vida. Não apenas colonizadas, mas sujeitos que, na
encruzilhada de ter que dar satisfação a demandas tão irreconciliáveis
quanto inescapáveis, articulam uma epistemologia ch'ixi, a identidade
manchada, contaminada, impura: catolicismo, sim, e proto-
capitalismo também, mas ao mesmo tempo ritualidade e economia
aymaras e quéchuas, quechumaras.
Uma dupla entranha, uma alma
Ch’ixi, de acordo ao “glossário” apresentado em Sociología de la imagen (2015), significa “cinzento com
manchas miúdas de branco e preto que se entreveram”. Cito, a seguir, trecho da eloqüente definição de
Double bind, com que Rivera Cusicanqui suplementa essa definição de ch’ixi: “Double bind: Termo
cunhado pelo antropólogo Gregory Bateson para se referir a uma situação insustentável que denomina