Pessoa, Sobre Give the Word… Revista de estudios literarios latinoamericanos
Número 9 / Diciembre 2020 / pp. 388-398 388 ISSN 2422-5932
GIVE THE WORD: RESPONSES TO
WERNER HAMACHERS 95 THESES ON
PHILOLOGY
, LINCOLN, UNIVERSITY OF
NEBRASKA PRESS, 2019
ORGANIZADO POR GERHARD RICHTER E
ANN SMOCK AMONG
Davi Pessoa
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Professor de língua e literatura italiana na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Autor de Terceira Margem: Testemunha, Tradução (Editora da Casa, 2008), Dante: poeta de toda
a vida (Biblioteca Nacional, 2015) e Pasolini: retratações (Editora 7Letras, 2019, com co-autoria de
Manoel Ricardo de Lima). Atua também como tradutor, tendo já traduzido livros de Giorgio Agamben,
Pier Paolo Pasolini, Roberto Esposito, Franco Rella, Donatella Di Cesare, entre outros.
Contato: pessoatradutor@gmail
ORCID: 0000-0002-3850-7515
Filologías latinoamericanas
DOSSIER
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Werner Hamacher é um pensador pasticheur: muitos são os desvios de
seu percurso filosófico: filologia, direito, política, estética,
hermenêutica, literatura. Além disso, sua crítica filosófica e filológica
arma uma série geopolítica Alemanha, França e Estados Unidos
entre línguas e culturas, tornando-se também tradutor de pensadores,
como Jean Hyppolite, Paul de Man, Nicolas Abraham, Jean Daive,
Jorie Graham e Jacques Lacan. Deste traduz pela primeira vez à língua
alemã os escritos técnicos de Freud, em 1978. Sua experiência em
Paris, na École Normale Supérieure, ao lado de Jacques Derrida, foi
singular, visto que com Derrida, e com tantos outros pensadores que
convoca para suas cenas de leitura, Hamacher reativa a força de
leituras heterogêneas e desconstrutivistas, que buscam, por sua vez,
problematizar a metafísica ocidental. Em vez das noções de
compreensão e comunicação, Werner Hamacher investiga o
incompreensível, ou ainda, o vir-a-ser da linguagem. Portanto, sua
traduzibilidade, e não apenas sua tradução. Em Premises. Essays on
Philosophy and Literature from Kant to Celan (1996), visita, entre
convergências e divergências, textos fundamentais da modernidade, com o
desejo de desativar a pretensão de conhecimento preliminar entre
objeto e linguagem. A filologia, seguindo os rastros de Hamacher
tese 10, das 95 teses sobre a filologia , só alude à outra linguagem e só
evoca essa outra linguagem, entrando em contato com o desconhecido,
e a partir dessa ignorância o filólogo entra em contato com a força do
saber.A filologia, por isso, ama e esquece o amor pelo amado
(Hamacher, 2011: 11).
Permito-me, antes de colocar algumas questões a partir da leitura
de Give the Word: Responses to Werner Hamachers 95 Theses on Philology ,
um desvio imprevisível. Pier Paolo Pasolini, em 1969, durante uma
entrevista, em Nova Iorque, publicada em Pasolini rilegge Pasolini:
intervista con Giuseppe Cardillo (2005), relata ao jornalista um lapsus: diz
que todos os anos ia com sua mãe para o Friul, e num certo dia:
Enquanto escrevia versos italianos, agora não mais de tipo
petrarquista, eleito, tradicional etc. como ele mesmo escrevia até seus 17,
18 anos, mas influenciado por poetas herméticos da época, porque
logo após a primeira leitura fundamental de Rimbaud e dos
simbolistas, comecei a ler também os outros poetas de então, de Gatto
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a Penna, etc. etc., enquanto escrevia alguns versos italianos, ouvi da
varanda da casa de campo de minha mãe ecoar do quintal a palavra
rosada, que significa orvalho (rugiada); e foi uma iluminação. [...] Ao
ouvir aquela palavra me veio imediatamente a ideia de escrevê-la, de
usar tal palavra. E escrevi os primeiros versos nos quais havia a
palavra rosada, que havia esquecido. No dia seguinte escrevi meu
primeiro poema em língua friulana. Agora, usava essa língua friulana,
precisamente, porque era aquela coisa que dizia Valéry: Uma hesitação
prolongada entre o sentido e o som, isto é, não era nem sentido nem som,
era algo que estava entre as duas coisas, era uma língua para a poesia.
Era a língua da poesia que se tornava consciente de si mesma, e estava
fisicamente, materialmente em minhas mãos. Então, isso descarta,
como dizia antes, a ideia de que essa língua fosse realista. Era o
máximo da ambiguidade (38-39).
O lapsus, promovido pelo esquecimento, coloca um grande problema
para Pasolini: como sair da dicotomia estável entre língua e dialeto, ou
ainda, da dicotomia dos simbolistas franceses, cujo postulado poético
se concentrava sobre dois polos, como ele nos aponta: A poesia é o
conteúdo da própria poesia, e a poesia tem uma língua específica, uma
língua que não é decorativa nem referencial, mas que é a própria
consciência da linguagem poética (38). Então, como fazer com que
esses polos se choquem, para a partir do confronto irromper-se um
terceiro incluído? Ainda: como desativar a gica da dicotomia, da
contradição, para pôr em cena a bipolaridade e a contraditoriedade
posta em jogo pela analogia? Pasolini acrescenta:
Então me encontrava diante dessa poética que para mim era
extremamente sugestiva e que era puramente literária, e que implicava
uma autonomia da literatura e uma totalidade e uma pureza da poesia
que não tinha nada de político (38).
Em 1975, Sebastiano Timpanaro filólogo e crítico literário italiano,
que decidiu renunciar à carreira universitária, mas sem abrir mão de
um estudo singular sobre filologia latina e grega e sobre literatura
italiana, além de ter aprofundado suas pesquisas a respeito da
psicanálise de Freud lança uma tese muito irreverente em Il lapsus
freudiano (2002), que traz uma íntima relação com os procedimentos de
Pasolini, quando este se põe à escuta do significante rosada, assim
como traz relações singulares com as 95 teses de Werner Hamacher.
A tese de Timpanaro seria a seguinte, em poucas palavras: os filólogos
analisam os lapsus que os copistas realizam. Uma coisa é o erro da cópia
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de um texto que está diante dos olhos do copista; outra coisa é o erro
de memória diante de uma palavra ou frase aprendida muito tempo antes
(destes casos se ocupou, como se sabe, Freud). No entanto, não
podemos nos esquecer que copistas antigos não copiavam os textos
palavra por palavra, mas de memória. Então, entre a leitura e a cópia,
nesse intervalo de tempo, o lapsus.
O problema de como enfrentar a autonomia literária dos poetas
simbolistas, com sua totalidade e pureza sem nada de político, como ele
destaca, ou do choque entre língua nacional e dialetos, produz uma
sombra de difícil visualização. A intempestiva relação entre crítica e
linguagem surge na juventude de Pasolini e será uma constante mutável
em diversos momentos de sua vida. Giorgio Agamben, atento a tal
exigência, no prefácio ao livro Pier Paolo Pasolini: i turcs tal Friùl / i
turchi in Friuli (2019), aponta que a questão a quête da língua é, a
meu ver, o núcleo originário incandescente do qual todos os outros
problemas pasolinianos são, por assim dizer, as manifestações
eruptivas (7). Agamben ainda ressalta que Pasolini não subjuga o
dialeto friulano à língua constitucional, pois deseja dizer com o dialeto
coisas elevadas, difíceis, com maior frescor e potência. Assim, a crítica
operada por Pasolini, desde muito cedo, mobilizou debates acalorados,
nos quais colocava em choque a língua como inventum (língua
institucional) e a língua como inventio (língua-poesia), para a partir do
confronto entre elas insurgir-se uma filologia-crítica intempestiva e
inventiva, ou como apontava em outro texto: nossa estética não se
fecha em si mesma, sendo uma estética do coração, não do cérebro (1999:
74). Essa estética do coração era movida por uma filologia e não pela
Filológica
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que Pasolini tanto amava: uma filologia sem filólogos.
Tais questões se encontram muito próximas à noção de filologia,
de Werner Hamacher, tendo em vista que para o filósofo a filologia é
uma relação afetiva, de amizade, uma philía, com a linguagem. Em Para
la Filología (2011), Hamacher escreve que a filologia antes de se
consolidar como técnica epistêmica,es una relación afectiva, una
philía, una amistad o un entablar amistad con el lenguaje, a saber, con
un lenguaje que aún no ha adquirido un contorno definido, una forma
estable (3).
Se Pasolini encontrava na poesia uma força de abertura de
mundus, de modo análogo Werner Hamacher compreende a filologia
como disponibilidade para tais aberturas, que podem indicar caminhos
1
Sociedade filológica friulana é uma associação que tem como objetivo estudar a ngua e cultura friulana,
fundada em Gorizia, em 23 de novembro de 1919.
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díspares, bipolares, visto que em tais percursos se encontra o próprio
movimento da filologia, que é, sobretudo, o movimento precário de
falar sobre a linguagem, mais além de toda linguagem dada (3). Ou
ainda, Pasolini e Hamacher sabem que a poesia é prima philologia,
como lemos na tese 14.
Em Give the Word: Responses to Werner Hamachers 95 Theses on
Philology (2019), os organizadores, Gerhard Richter (professor da
Universidade de Brown) e Ann Smock Among (professora da
Berkeley, Universidade da Califórnia), ressaltam, na introdução ao
volume, as intermitências das 95 teses de Hamacher, que desativam
uma suposta ordem cronológica e uma sequência lógica, tendo em
vista que cada uma delas propõe desvios, cujos traçados não conduzem
necessariamente a um fim definido, tal como se dá num programa
sistemático, mas, sim, são delineados por um movens de perguntas. As
teses, assim, não buscam uma definição de filologia dada a priori, ou
seja, como se à procura de um único objeto. Os ritmos irregulares das
teses compõem uma espécie de rapsódia, na qual o que se sobressai é
a doação da palavra a partir das contingências que se encontram no gesto
de leituras múltiplas. Além disso, os organizadores chamam a atenção
para o diferimento existente entre filologia e ontologia (tese 17):O
movimento de uma busca sem um fim predeterminado. Por isso, sem
fim. Por isso, sem o sem de um fim. Sem o sem da ontologia.
Nas 95 teses, o filósofo aponta para o amor pela linguagem, que
provoca um impulso para o desconhecido, para o não-saber,
provocando, desse modo, uma desorientação séria e festiva,
contemporaneamente (tese 29):
Assim como o esquecimento linguístico pertence à linguagem, assim
pertence o esquecimento da filologia pela filologia. Apenas em virtude
de seu auto-esquecimento pode voltar-se à linguagem sem colocá-la
sob a forma do saber (13).
Estudiosos são convocados a participar da philía, e cada um deles se
concentra, em dispersão, numa das teses de Hamacher. A partir da tese
escolhida abre-se uma série imprevista, na qual se encontra, por vezes,
uma hipertemporalidade, ziguezagueante, plurilíngue, pois a filologia é
uma pathologia, e seu pathos recorre ao pathos do legein (verbo grego, do
qual se forma logos, que tem a força de produzir tensões, cujos sentidos
a partir do indo-europeu são: pôr e depor; depositar; expor e propor,
reunir), realizando, assim, un movimiento doble, que siempre haga la
experiencia del acercamiento al mismo tiempo que una experiencia del
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alejamiento (17), como se lê em Para la Filología. Tal movimento,
entre aproximação e distanciamento às/das 95 teses sobre a filologia,
também se encontra na publicação Give the Word: Responses to Werner
Hamachers 95 Theses on Philology. Destaco, em seguida, alguns desses
movimentos.
Gerhard Richter, em Was heißt Lesen? What Is Called
Reading?, procura aprofundar a relação entre amor e leitura, e, com
esse intuito, se questiona: O que se ama exatamente quando se
estabelece uma amizade com a leitura do logos, quando se ama ler?
(31). E o que ocorre quando a philía não é correspondida? A filologia,
como já mencionado, dá a ler a tensão presente entre philos, philía e
logos. O que está em jogo não é a Erlebnis (vivência), mas a Erfahrung
(experiência). Portanto, como observava Walter Benjamin (lendo a
dicotomia memória-consciência, de Freud) na sexta tese sobre o
conceito de História,articular historicamente o passado não significa
conhecê-lo como ele de fato foi. Significa apropriar-se de uma
reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. O
momento crítico e de perigo, além disso, está na base de toda leitura.
O filólogo, como o mais radical entre todos os amantes das palavras,
vive a tensão entre ser e habitar na linguagem, sem necessariamente ser
movido por uma pretensão de compreensão, tendo em vista que a
filologia é o habitar da linguagem na própria linguagem. Nesse sentido, em
vez da referencialidade temos a singularidade da leitura, que jamais se
esgota num único gesto, pois o gesto de leitura não se finda no alcance
de uma única interpretação. Por isso, para Hamacher, a relação
amorosa estabelecida pela filologia não é jamais o reino da
compreensão, como se fosse uma operação estática e autorreferencial.
Ao contrário da contradição, a filologia busca as contraditoriedades e
ambivalências, tal como presente no termo grego arché, tão caro ao seu
universo amoroso. Arché enquanto origem, mas também enquanto
comando, tal como ressaltou e desenvolveu o filósofo Giorgio
Agamben, em Creazione e anarchia: lopera nelletà della religione capitalista
(2017). Poderíamos dizer que a filologia se liga intimamente à ciência
do tropos, da tropologia, ou seja, das translações de sentidos. Give the Word:
Dar a palavra, doar a palavra, eis a questão. Ainda em Para la Filología,
Hamacher escreve:
Cuando llega a la palabra, lo hace en cada caso a partir de y hacia una
para-palabra. Incluso cuando es palabra para una palabra, es una
palabra para otra palabra y palabra sin palabra a limine y la monarquía
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del lenguaje se encontraba aún antes de su comienzo. El lenguaje a
partir del para es an-arche (47).
Portanto, o para que desativa tanto a origem quanto o comando.
Michèle Cohen-Halimi, maître de conférences em Filosofia, na
Universidade de Paris, em Language-Such-That-Its-Spoken, aborda
a genealogia como versão transversal da filologia, enquanto
filologia, filalologia, filalogia (tese 24). Ou ainda como lemos na tese
26: A filologia é a linguagem tripartida. Quadripartida. A quarta
parede da cena de suas relações permanece aberta (13). Nessa
transversalidade, encontra-se o tempo histórico implicado, mas não
explicado em palavras (tese 35) a lei interna da linguagem é a história,
a filologia é a guardiã desta e apenas desta lei (14). E, na história, as
palavras se encontram em movimento contínuo, o qual produz uma
espessura vertiginosa através doabsurdo da linguagem, e o sujeito
se encontra, ao mesmo tempo, num ponto de equilíbrio e de
desequilíbrio. Como lemos na tese 49: A filologia, que como toda
linguagem é linguagem da linguagem e por isso o jogo de seu
movimento não programável, é linguagem no trajeu (16). Como
Michèle Cohen-Halimi destaca, a impessoalidade se irrompe como
um pensamento que vê sem olhar e pensa sem nenhum sujeito pensativo, como
uma fala que fala por si mesma (38), portanto, uma filologia movida
pela força da metamorfose.
Ann Smock, em Einmal ist Keinmal. On the 76th of Werner
Hamachers 95 Theses for Philology, nos relembra que Walter
Benjamin, por volta de 1932, encontrava na expressão Einmal ist
keinmal uma possibilidade de sabedoria que estabelece raízes no bom
tipo de sucesso, que, por sua vez, põe em movimento operações
frutíferas. Em duelo com tal sucesso encontra-se o sucesso lastimável,
traduzido em outra expressão:Ein für allemal. Para Benjamin, como
se sabe, estavam em jogo os objetos das artes primitivas a serviço da
magia, cujaprimeira técnica se realiza nos rituais nos quais as pessoas
se sacrificavam exemplarmente, traduzida através da expressão Ein für
allemal (uma vez por todas), em contraposição com a segunda técnica,
mais emancipatória, como aponta Benjamin, na qual o homem
controla a técnica à distância, traduzida pela expressão Einmal ist
keinmal (uma vez é vez nenhuma). Proximidade e distância da natureza,
entre tensão e harmonia. O que está em jogo, além disso, é o universo
das brincadeiras e dos jogos, em cujos procedimentos se encontram o
experimento (Experiment) e as ordenações experimentais
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(Versuchsanordnungen), que são variantes da lei da repetição que se dá
nas brincadeiras e nos jogos. No entanto, importante salientar que a
repetição, nesses casos, cria outras relações entre os seres humanos e
a natureza. Werner Hamacher busca pôr em cena, nas 95 teses, um
novo uso para a filologia.
Ann Smock relembra que na tese 76, A filologia: uma história
de amor, Werner Hamacher faz referência a um paciente de Freud, o
senhor E., que sofre um ataque de pânico quando criança, ao tentar
capturar um besouro preto,Käfer, em alemão, e que a interpretação
do acontecimento lhe era muito obscura. Freud, enquanto filólogo,
relata que a interpretação do ataque perturbador foi pelo paciente
compartilhada, no próximo encontro, quando desloca a atenção da
representação do besouro para a significância da própria palavra,
desdobrando-a a partir de uma pergunta: Que faire?. Hamacher
argumenta que a interpretação para o filólogo Freud não é a tradução
de uma palavra à representação da coisa ligada a ela, mas sua
transposição. A pergunta, em francês, idioma que o paciente aprendeu
em contato com seu primeiro amor, a governanta de sua casa. Nesse
caso, Hamacher acentua precisamente a transposição de significação,
ou remoção de significado, de um ataque (Anfall) para uma incidência
(Einfall).O pânico por sua articulação; o animal ou o nome do animal
(Käfer) por uma pergunta Que faire? (59).
Desse modo, o que está em questão, para Werner Hamacher, não é o
caminho em direção a um significado mediante a interpretação, mas
o caminho tese 76 até a repetição de uma linguagem ou até o ato
de recavar na linguagem o que se mantém encoberta por outra (20).
Do gesto de escavar emerge a língua da primeira amante, a linguagem
amada (20). A filologia, assim, põe em movimento a repetição, na
qual a amada permite a pergunta Que faire?. Hamacher ainda
acrescenta: Filologia significa permitir que o primeiro amor possa ser
repetido, que o primeiro amor permita a repetição (20). A filologia
também tem a ver com a espera. O exercício da filologia é esperar
(20, tese 69). No entanto, na espera não se espera por nada, quando
não há nada por esperar, visto que a filologia é esperar na palavra
(20) (íntima relação com o pensamento de Maurice Blanchot).
Portanto, há na filologia um desejo de linguagem, uma inclinação para
a linguagem na medida em que esse desejo jamais significa o encontro
com um objeto, um objeto de desejo. A linguagem volta-se para a
linguagem amada, a linguagem que se situa em uma distânciaproximada,
cuja intimidade torna-se, ao mesmo tempo, nova e estranha: Quanto
mais a filologia se aproxima à sua questão, mais se distancia dela (17),
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como se lê em Para la Filología. A pergunta Que faire?, portanto,
mobiliza o amor que se encontra na própria espera da espera, que não
espera nada substancialmente, visto que todo verdadeiro encontro é
acidental: Tese 70: Filologia: a estadia. A expectativa. A espera (20).
O filólogo Vincent W. J. van Gerven Oei, em “Language on
Pause. Hamachers Seconds of Celan and Daive, aponta que o
pensamento filológico de Werner Hamacher orbita com muita força o
de Paul de Man, que em The Return to Philology busca, por sua vez,
inserir procedimentos filológicos em departamentos literários, com o
surgimento do pós-estruturalismo. Assim, a filologia seguiria de perto
o desconstrutivismo, cujo gesto é o de relacionar a leitura a um ato
poético, antes de colocá-la dentro de um contexto histórico. As
considerações de Paul de Man são retomadas por Hamacher em seu
manifesto Para la Filología, que logo no início afirma: Hay un afecto
antifilológico [...] que se opone a privilegiar la atención concentrada
en el lenguaje, la palabra, la pausa (1), como uma forma de desprezo,
como uma tarefa menor, uma atividade apartada do mundo. Contra tal
pausa entendida como inércia, a filologia como bem aponta
Hamacher é um gesto de ir mais além, que jamais pode ser supérfluo
porque ela é o movimento da própria fala, que ultrapassa tudo já dito
e tudo o que se tem a dizer (2). A pausa os musicistas o sabem bem
é uma pulsão que vitaliza o corpo, o sopro, que o faz vibrar, para que
o próprio corpo não se torne um corpo-peso, um corpo-morto e
mortífero, o qual rechaça a vida, a vida corpórea, o desejo, como se
sentisse raiva até mesmo pelo fato de poder respirar, como se desejasse
reduzir a inquietação da vida à inércia. E contra a inércia mental
Antonio Gramsci a chamava de indiferença, e corporal, portanto,
mobiliza-se a vida do pensamento. Uma pausa caso seja realmente um
corte profundo no referente, bem como na vida do pensamento
jamais é inerte. Como lemos na tese 46: Filologia: na pausa da
linguagem (2019: 16).
Peter Fenves, professor de Estudos Literários Comparados e
Estudos Judaicos na Northwestern University, em The Category of
Philology, retoma a tese 89, na qual Werner Hamacher formula uma
máxima provisória, cuja força irradiadora é nomeada de outra
filologia, inegociável, visto que ela é o movimento do próprio
mundo: é o vir ao mundo do mundo (23). A não negociabilidade do
vir ao mundo é a experiência dessa outra filologia. A máxima
provisória, portanto, da outra filologia é: obra de modo tal que pode
deixar de lado o obrar. E, além disso: obra sem máxima, também sem
obra (23). Entra em cena o lapsus, ou mais especificamente, um lapsus
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na atuação. Hamacher elabora tais máximas em contraposição com o
imperativo categórico de Kant. Se para este uma máxima é um
princípio subjetivo de ação, o imperativo, por sua vez, está
concentrado na objetividade da lei. Uma máxima, assim, transforma-
se em imperativo categórico apenas quando universalizado, tornando-
se, além disso, aquilo que governa as ações humanas no mundo. Kant
defendia as máximas enquanto provisórias na medida em que visava
sua universalização. Para Hamacher, por outro lado, as máximas são
provisórias na medida em que se encontram à espera de outra filologia,
que toma posição na stasis mundial pela linguagem, como escreve o
filósofo na tese 90, e pelo mundo contra a fabricação industrial da
linguagem e do mundo: luta contra o emudecimento (23-24).
Werner Hamacher, por fim, em What Remains to Be Said On
Twelve and More Ways of Looking at Philology, argumenta que
quem fala, fala com muitas pessoas e de várias maneiras (115), e não
apenas pela vocalização, visto que se fala também pela escrita, pela
gesticulação e pelo silêncio. Assim como não se fala apenas com as
línguas dos outros, mas também em contato com a linguagem comum,
declinando o com em direção a uma comunidade heterogênea,
estranhamente nova, estranhamente comum. Falar com (Mit-Sprache) e
falar mais (Mehr-Sprache), inventando uma linguagem distinta de
qualquer linguagem já conhecida e identificável. Tal movimento, no
entanto, não provém de uma conquista individual nem do ponto de
vista diacrônico nem sincrônico, mas, antes, anacrônico. Isso não
significa que não haja uma história da ngua, mas que esta encontra-
se sempre diferida pelas contingências e pelos movimentos
anacrônicos da filologia. As 95 teses, como aponta Hamacher, foram
escritas contra a monopolização de tendências reguladoras que
pertencem à estrutura da linguagem, contra as técnicas disciplinares.
As teses perseguem o movimento da linguagem através da
complexidade do com. Elas falam com outros, assim como falam com
algo diferente dos outros, falam com convergências e divergências, com
o desejo de provocar variações impossíveis, para pôr em ação o
movimento do pensamento da linguagem, da vida do pensamento, que
confronta toda e qualquer reflexão teórica que se pretenda
unidirecional. As 95 teses, assim, relacionam-se entre si e se
relacionam com outros textos, num contínuo movimento de translação,
tendo em vista que falam rapsodicamente. Cada tese, diz Hamacher, bem
como o conjunto das teses, falapara aquilo que ainda precisa ser dito
dentro do que é dito (119), e o que é dito não se extingue, mesmo se
permanece sem resposta, pois nenhuma resposta, mesmo que
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coletiva, pode ser única. Em última análise, Werner Hamacher doa
palavras não previstas, que serão embaralhadas e distribuídas aos
leitores. Seu pensamento move-se pela philía, aceita a ignorância, a
dúvida, o questionamento contínuo, que não se satisfaz com respostas
rápidas, tendo em vista que é afetado pelo próprio movimento do
questionamento, que está sempre à espera do desejo de linguagem, à
espera da linguagem do desejo: Tese 9: a filologia segue sendo o
movimento que ainda desperta o desejo em direção a ela antes da
linguagem do saber e que no conhecimento mantém desperta a
pretensão do que se deseja conhecer (11).
BIBLIOGRAFÍA
HAMACHER, WERNER. Para la Filología / 95 tesis sobre la filología. Trad.
de Laura S. Cangati. Buenos Aires: Miño y Dávila, 2011.
PASOLINI, PIER PAOLO. (A cura di Walter Siti e Silvia De Laude) Saggi
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1999.
---. Pier Paolo Pasolini. I Turcs tal Friul. I Turchi in Friuli. A cura di
Graziella Chiarcossi. Prefazione di Giorgio Agamben. Macerata:
Quodlibet, 2019.
---. Pasolini rilegge Pasolini: intervista con Giuseppe Cardillo. (A cura di Luigi
Fontanella). Milano: Archinto, 2005.
RICHTER, GERHARD E ANN SMOCK AMONG (org.). Give the Word:
Responses to Werner Hamachers 95 Theses on Philology. Lincoln:
University of Nebraska Press, 2019.
TIMPANARO, SEBASTIANO. Il lapsus freudiano: psicanalisi e critica testuale .
Torino: Bollati Boringhieri, 2002.