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Revista Latinoamericana de Políticas
y Administración de la Educación
Educação básica nos documentos-relatórios da/na década de 1990
Educación básica a partir de los documentos- informes de la década del ‘90
Basic education in 90’s decade documents-reports
RABELO MARQUES, Aline
1
y SILVA, Fabiany de Cássia Tavares
2
Resumo
Neste texto o objetivo é analisar ideias/ conceitos/ noções/ proposições lançadas para Educação Básica em documentos-relatórios
publicados na década de 1990, organizados a partir de grandes reuniões financiadas por Organismos Internacionais. Bem como,
a relação de poder exercida por instituições supranacionais na conformação de politicas curriculares para nações “em desen-
volvimento”, como o Brasil. O pressuposto metodológico da pesquisa fundamentou em análises bibliográfica e documental, que
tiveram como documentos-relatórios internacionais, a saber: Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das
Necessidades Básicas de Aprendizagem (Unesco, 1990), Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva com
equidade (Ottone, 1993), Declaração de Nova Delhi (Unesco, 1993) e, Compromisso Nacional de Educação para Todos (1993):
um tesouro a descobrir (Delors, 1999). Algumas questões foram norteadoras das análises: “quais os contornos de Educação
Básica foram lançados por meio destes documentos- relatórios?” Qual a relação dos documentos- relatórios com a formulação de
políticas curriculares nacionais (no contexto do Brasil)? A fim de respondê-las, investigamos nestas fontes os processos de cons-
truções das relações de poder impressas no discurso “oficial”, considerado discurso supranacional e que se anuncia na perspectiva
de orientação para diferentes nações, em processos de organização de sistema educativo formal. Tal análise discursiva se justifica
por entendermos que o uso de palavras/termos não é desinteressado, mas expressa escolhas e projetos ideológicos. Preocupados
com os reordenamentos do capital e o crescimento do mercado consumidor, organizações internacionais debruçam-se sobre o
planejamento de estratégias educativas de alinhamento às teses de desenvolvimento e globalização, propondo programas de fi-
nanciamento, que viabilizassem projetos de inclusão e participação, no fortalecimento do sistema produtivo de países considerados
não desenvolvidos.
Palavras- chave: Educação básica/ Currículo/ Organismos internacionais/ documentos/ discurso/ política curricular.
Resumen
En este artículo, el objetivo es analizar las ideas / conceptos / nociones / propuestas lanzadas para la Educación Básica en los
documentos- informes publicados en la década de 1990, organizados a partir de grandes reuniones financiadas por organizacio-
nes internacionales. Conjuntamente, la relación de poder ejercida por las instituciones supranacionales en la conformación de la
política curricular para las naciones ‘en desarrollo’, como Brasil. El supuesto metodológico de la investigación se basó en el análisis
bibliográfico y documental de los documentos-informes internacionales, a saber: la Declaración Mundial sobre Educación para
Todos: Satisfacción de necesidades básicas de aprendizaje (Unesco, 1990), Educación y conocimiento: eje de la transformación
productiva con equidad (Ottone, 1993), Declaración de Nueva Delhi (Unesco, 1993) y Compromiso Nacional para la Educación para
Todos (1993): un tesoro a descubrir (Delors, 1999). Algunas preguntas guiaron el análisis: ¿Qué contornos de la educación básica se
pusieron en marcha a través de estos documentos-informes? ¿Cuál es la relación de los documentos- informes con la formulación
de las políticas curriculares nacionales (en el contexto de Brasil)? Con el fin de responder a ello, investigamos en las fuentes los pro-
cesos de construcción de las relaciones de poder impresos en el discurso oficial, considerado el discurso supranacional en el que
se anuncia la perspectiva de orientación para diferentes naciones en los procesos de la organización del sistema educativo formal.
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Universidade Federal de Mato Grosso do Sul / aline_rm1@hotmail.com
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Universidade Federal de Mato Grosso do Sul / fabiany@uol.com.br
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Tal análisis del discurso se justifica porque creemos que el uso de palabras / términos no es desinteresado, sino que expresa
escuelas y proyectos ideológicos. Preocupados con el reordenamiento del capital y el crecimiento del mercado de consumo, las
organizaciones internacionales están trabajando en la planificación de estrategias educativas en alineación a las tesis de desarrollo
y globalización, proponiendo programas de financiación que viabilicen proyectos de inclusión y participación, en el fortalecimiento
del sistema productivo de países considerados productivos no desarrollados.
Palabras clave: Educación Básica/ Currículo/ Organizaciones Internacionales / Documentos / Política Curricular.
Abstract
In this article we aim to analyze ideas / concepts / notions / propositions launched for Basic Education in documents-reports publis-
hed in the 1990s, organized from large meetings financed by International Organizations. As well, the relation of power exercised by
supranational institutions in the conformation of curricular policies to “developing” nations, like Brazil. The methodological presup-
position of the research was based on bibliographical and documentary analyzes, which had as international documents-reports:
World Declaration on Education for All: Satisfaction of Basic Learning Needs (Unesco, 1990), Education and knowledge: the axis of
productive transformation With equity (Ottone, 1993), Declaration of New Delhi (Unesco, 1993) and, National Commitment on Educa-
tion for All (1993): a treasure to be discovered (Delors, 1999). Some questions were guiding the analysis: “What were the contours of
Basic Education launched through these report documents?” What is the relationship between document-reports and the formula-
tion of national curricular policies (in the context of Brazil)? In order to answer them, we investigate in these sources the processes
of constructions of the relations of power printed in the “official” discourse, considered supranational discourse and that announces
itself in the perspective of orientation to different nations, in processes of organization of formal educational system. Such discursive
analysis is justified because we understand that the use of words / terms is not disinterested, but expresses ideological choices and
projects. Concerned with the reorganization of capital and the growth of the consumer market, international organizations focus on
the planning of educational strategies to align with the theses of development and globalization, proposing financing programs that
would enable inclusion and participation projects to strengthen the system Countries considered undeveloped.
Keywords: Basic education / Curriculum / International Oganizations / Documents / Discourse / Curricular Policy.
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Notas Introdutórias
Os resultados aqui apresentados são recortes de pesquisa de Dissertação de Mestrado em Educação, que se deteve na investigação
do neoliberalismo educativo no contexto do desenvolvimento curricular da escola básica brasileira, entre os anos de 1998 à 2013.
Nesta investigação analisam-se as ideias/conceitos/noções/proposições lançadas para Educação Básica em documentos-rela-
tórios publicados na década de 1990, organizados a partir de grandes reuniões financiadas por Organismos Internacionais, bem
como, a relação de poder, exercida por instituições supranacionais, na conformação de politicas curriculares para nações “em
desenvolvimento”, como o Brasil.
O pressuposto metodológico da pesquisa fundamentou-se em análises bibliográfica e documental, que tiveram como documentos-
relatórios internacionais, a saber: Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de
Aprendizagem (Unesco, 1990), Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva com equidade (Ottone, 1993),
Declaração de Nova Delhi (Unesco, 1993) e, Compromisso Nacional de Educação para Todos (1993): um tesouro a descobrir
(Delors, 1999).
Algumas questões nortearam as análises pretendidas, a saber: “quais os contornos de Educação Básica foram lançados por meio
destes documentos- relatórios?” Qual a relação dos documentos- relatórios com a formulação de políticas curriculares nacionais
(no contexto do Brasil)?
A fim de respondê-las, nas fontes eleitas buscamos os processos de construções das relações de poder impressas no discurso
“oficial”, considerado discurso supranacional, que se anuncia na perspectiva de orientação para diferentes nações, de organização
de sistema educativo formal. Tal análise discursiva justifica-se no entendimento de que o uso de palavras/termos não é desinteres-
sado, mas expressa escolhas e projetos ideológicos.
Os documentos curriculares traduzidos em discursos oficiais apresentariam delineamentos interessados e endereçados, oriundos
da ideologia neoliberal, aos processos de escolarização idealizados. Em conformidade com Gimeno-sacristán (2011), compreen-
demos que “escolher o discurso é escolher a lente para olhar em que terreno vamos nos mover.” (Gimeno-sacristán, 2011, p. 16).
Na atenção aos discursos oficiais, organizados nos documentos curriculares, apreendemos construções ideológicas hegemônicas
do período de reforma, tendo em vista que:
Os conceitos, argumentos e discursos são ferramentas que refletem os conteúdos do nosso pensamento, assim como a
linguagem que utilizamos – pela carga semântica que contém, a ordem gramatical e a coerência sintática – condiciona a
forma de pensar e os objetivos que resume, seja em argumentações escritas, exposições, etc. Os termos que utilizamos não
são lentes neutras diferentes na forma de perceber, argumentar e se situar diante do mundo e seus problemas, assim como
tampouco o são a hora de ressaltar as opções para solucioná-los. (Gimeno-sacristán, 2011, p. 15).
Os conceitos e termos apresentados nos documentos não são propostos aleatoriamente, pois há interesses e pressupostos ideoló-
gicos que fundamentam as razões de constituírem os textos curriculares, produzindo e reproduzindo estruturas de poder. Por isso,
a análise dos discursos, traduzidos em conceitos, revelam concepções basilares, mas por vezes pouco perceptíveis.
A linguagem que escolhemos na educação nunca é neutra, porque com ela compreendemos a realidade educacional de
uma forma e não de outra, adotamos um ponto de vista, destacamos determinados problemas, tomamos posição diante
deles e expressamos nossos desejos. Ao mesmo tempo, estamos descuidando, esquecendo e até negando outras possibi-
lidades. (Gimeno-sacristán, 2011, p. 7-8).
A análise da linguagem, traduzida em conceitos organizados nos textos curriculares, expressa teorias que fundamentam a organi-
zação das políticas educacionais e, em particular, o currículo e sua prática, ao mesmo tempo as concepções de homem, sociedade,
políticas de conhecimento, que determinam o sentido e propósito da organização dos sistemas educativos.
Preocupados com os reordenamentos do capital e o crescimento do mercado consumidor, organizações internacionais debruçam-
se sobre o planejamento de estratégias educativas de alinhamento às teses de desenvolvimento e globalização, propondo pro-
gramas de financiamento, que viabilizam projetos de inclusão e participação, no fortalecimento do sistema produtivo de países
considerados não desenvolvidos.
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Organismos como Banco Mundial e Unesco passam a exercer grande influência na construção de projetos educativos por todo o
mundo, principalmente para os países de capitalismo periférico
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, visando “[...] uma estreita vinculação entre educação e desenvol-
vimento econômico e entre educação e combate à pobreza, considerada uma ameaça ao crescimento econômico. (Silva & Abreu,
2008, p. 525).
Nos documentos resultantes das grandes reuniões e conferências estão lançados os contornos da possível Educação Básica, a ser
desenvolvida nos países signatários. O Brasil como um dos signatários incorpora algumas das proposições, mediada prioritaria-
mente por agentes do governo.
Destacamos o estreitamento de vínculo, no plano dos discursos, entre as questões de Educação Básica no combate à pobreza,
considerada uma ameaça ao desenvolvimento econômico. Em suma, compreendemos que Educação Básica pensada/proposta tem
um endereçamento privilegiado às economias do chamado Terceiro Mundo, ou do mundo em desenvolvimento e, os documentos
lançados registram propósitos e princípios de reorientação para os sistemas educativos. Contudo, para além de propósitos e prin-
cípios, há um sentido de necessidade e urgência por reformas educativas, que operem o que está sendo proposto em prol de uma
“educação mundial para todos”.
DAS ANÁLISES
A Conferência Mundial Sobre Educação para Todos (Unesco, 1990), organizada pela Organização das Nações Unidas para Educação,
Ciência e Cultura (Unesco), colocou em questão a necessidade de organização de projetos educativos nacionais, que convergissem
para a lógica dos processos de globalização econômica.
As necessidades básicas de aprendizagem dos adultos e das crianças devem ser atendidas onde quer que existam. Os paí-
ses menos desenvolvidos e com baixa renda apresentam necessidades especiais que exigirão atenção prioritária no quadro
da cooperação internacional à educação básica, nos anos 90. (Unesco, 1990, p. 7).
Esperava-se, que o alinhamento dos projetos educativos nacionais culminasse em um projeto educativo, em nível de aldeia global,
para ser efetivado nas décadas subsequentes. O encontro resultou na organização da Declaração Mundial sobre Educação para
Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (Unesco, 1990), cuja problemática central era a redução das
taxas de analfabetismo e a universalização do ensino básico.
Os países que tomaram parte da confecção deste documento o fizeram na perspectiva de relembrar o caráter de direito funda-
mental da educação; reafirmar que a educação seria um dos elementos fundamentais para a construção de sociedades mais
seguras, saudáveis, prósperas, ambientalmente mais puras – aquilo que conhecemos hoje por desenvolvimento sustentável, que
não reduziria o crescimento econômico, mas, em tese, consideraria e preservaria a sustentabilidade do meio ambiente –, e por
consequência, o progresso cultural e social; reconhecer que, embora não seja por si só suficiente, a educação é indispensável ao
desenvolvimento pessoal e coletivo; reconhecer que os conhecimentos científicos são patrimônios culturais e sem eles não é pos-
sível o desenvolvimento; admitir as fragilidades dos sistemas educativos nacionais e assumir um compromisso com a melhora de
qualidade e universalização da educação.
No que diz respeito à Educação Básica, reconheceu-se que:
[...] uma educação básica adequada é fundamental para fortalecer os níveis superiores de educação e de ensino, a formação
científica e tecnológica e, por conseguinte, para alcançar um desenvolvimento autônomo; e Reconhecendo a necessidade
de proporcionar às gerações presentes e futuras uma visão abrangente de educação básica e um renovado compromisso a
favor dela, para enfrentar a amplitude e a complexidade do desafio [...] (Unesco, 1990, p. 3).
A discussão da seguridade da educação como direito fundamental se deu atrelada ao conceito de Educação Básica articulado na
perspectiva do desenvolvimento. Ao longo do documento o termo “Educação Básica” foi mencionado por vinte e duas vezes, na
maioria delas ressaltante a necessidade de organizá-la em prol do “aprimoramento” das relações produtivas.
Segundo o documento, a Educação Básica não tem um fim em si mesma, mas “[...] é base para a aprendizagem e o desenvol-
vimento humano permanentes, sobre a qual os países podem construir, sistematicamente, níveis e tipos mais adiantados de
educação e capacitação” (Unesco, 1990, p. 3). Sua oferta deveria ser de qualidade e universalizada progressivamente a todos os
sujeitos, de modo que reduzisse as desigualdades.
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Característicos de economias consideradas “subdesenvolvidas” ou “em desenvolvimento”.
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O principal sistema de promoção da educação básica fora da esfera familiar é a escola fundamental. A educação funda-
mental deve ser universal, garantir a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de todas as crianças, e levar
em consideração a cultura, as necessidades e as possibilidades da comunidade. Programas complementares alternativos
podem ajudar a satisfazer as necessidades de aprendizagem das crianças cujo acesso à escolaridade formal é limitado ou
inexistente, desde que observem os mesmos padrões de aprendizagem adotados na escola e disponham de apoio adequa-
do. (Unesco, 1990, p. 5).
Ainda estavam previstos “Programas Complementares Alternativos”, para os quais a soberania das relações da Educação Básica
estava pensada para acontecer no espaço escolar. Este era o lócus privilegiado para a garantia de satisfação das necessidades
básicas de aprendizagem, um conjunto de necessidades que, hipoteticamente, representariam e responderiam as demandas dos
Estados Nacionais e estas, por sua vez, estavam estreitamente ligadas aos reordenamentos advindos da globalização, encabeçados
por nações consideradas desenvolvidas.
A Educação Básica deveria “[...] estar centrada na aquisição e nos resultados efetivos da aprendizagem, e não mais exclusivamente
na matrícula, frequência aos programas estabelecidos e preenchimento dos requisitos para a obtenção do diploma.” (Unesco, 1990,
p. 4).
A defesa de uma Educação Básica, que expressasse seu “sucesso” em “resultados efetivos” lançou fundamentos de legitimidade
para a organização de políticas de avaliação standardizadas e rankeamentos. Não coincidentemente, mais do que conceitos são
processos que foram amplamente difundidos a partir da Reforma Educativa de 1990. Conforme o artigo 8:
A educação básica para todos depende de um compromisso político e de uma vontade política, respaldados por medidas fis-
cais adequadas e ratificados por reformas na política educacional e pelo fortalecimento institucional. Uma política adequada
em matéria de economia, comércio, trabalho, emprego e saúde incentiva o educando e contribui para o desenvolvimento da
sociedade. (Unesco, 1990, p. 6).
Para além do compromisso e da vontade política para com a democratização da Educação Básica, o documento propunha a ne-
cessidade de reformas nas políticas educacionais e, no caso particular do Brasil, tais orientações encontrariam no desenvolvimento
curricular o meio para operacionalizar as “reformas” na educação, ao mesmo tempo em que, fortaleceria a escola institucionalmen-
te, por sua supremacia nas relações educativas.
A Comissão Econômica para América Latina (CEPAL) e a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO)
publicaram o documento-relatório Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva com equidade, traduzido e di-
vulgado no Brasil em 1993, a partir de uma visão sintética elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
(INEP).
O termo Educação Básica aparece seis vezes no documento, mas apenas uma no corpo do texto ao discutir questões do analfabe-
tismo. Ainda que o termo não tenha sido contemplado em muitos momentos, entendemos que “tal documento apresenta uma ideia
central, ao redor da qual se articulam todas as outras: a incorporação e difusão do progresso técnico é o fator fundamental para que
a região desenvolva uma competitividade autêntica que lhe permita se inserir com êxito na economia mundial.” (Ottone, 1993, p. 7).
Os esforços dessa discussão centraram-se na problematização dos conhecimentos e habilidades necessários ao desenvolvimento
dos mercados produtivos e, por consequência, da nação. Na perspectiva do mercado, os conhecimentos e habilidades alimentariam
projetos de formação que dariam à tônica das relações de competitividade, elemento considerado imprescindível no aprimoramen-
to das relações produtivas, a partir da busca por uma
[...] competitividade autêntica [...] através dos elementos básicos do desenvolvimento que são portadores de futuro: a pro-
dução, aprendizagem e difusão do conhecimento, e a qualidade dos recursos humanos disponíveis. Esse esforço deverá ser
sistemático e supõe novos níveis de integração e coesão social. Portanto, o desenvolvimento de conhecimento e a formação
de recursos humanos serão centrais tanto para a competitividade quanto para a equidade. (Ottone, 1993, p. 7);
Assim os contornos, de uma possível educação nacional, foram sendo delineados a partir do privilégio das relações de conhecimen-
to (seleção, organização e distribuição), orientados pelos princípios da qualidade, competitividade e equidade.
O documento não faz menção ao conceito/termo “capital humano”, no entanto, ao defender que “o desenvolvimento de conheci-
mento e a formação de recursos humanos seriam centrais [...]” (Ottone, 1993, p. 7), se aproxima dele, conscientemente, ou não.
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A proposta estratégica está articulada ao redor dos objetivos de cidadania – que se refere à equidade, à responsabilidade
social, à transmissão de valores e à formação democrática – e de competitividade – que visa à aquisição das habilidades e
destrezas necessárias para poder desempenhar seu papel produtivamente no mundo moderno. Como critérios inspiradores
das políticas que serão derivadas dessa proposta estratégica, podem ser consideradas a eqüidade que se refere à igualdade
de oportunidades e à compensação das diferenças, e o desempenho, refletido na avaliação de rendimentos e no incentivo à
inovação. Como linhas principais da reforma institucional, são propostas a integração, dirigida a fortalecer a capacidade ins-
titucional dos países, e a descentralização, orientada para favorecer uma maior autonomia da ação educativa, com o objetivo
de assegurar os rendimentos e promover a responsabilidade dos agentes em relação aos resultados. (Ottone, 1993, p.10).
Mais do que uma proposta estratégica, ou um ideal de formação, centrado em objetivos de cidadania, estava em voga uma socie-
dade pensada a ser constituída por sujeitos eficientes. Adaptados por meio da “aquisição de destrezas e habilidades” (Ottone, 1993,
p. 10) à competitividade do mercado, ao mesmo tempo em que, em prol do fortalecimento das instituições escolares, legislava em
defesa da descentralização de responsabilidades. Uma descentralização para além da partilha de funções entre os setores públicos
estatais, mas também ou talvez, sobretudo, com o setor privado.
Em 16 de dezembro do mesmo ano, 1993, foi publicada a Declaração de Nova Delhi (Unesco, 1993), assinada por líderes de nove
países em desenvolvimento, de maiores contingentes populacionais do mundo, a saber: Indonésia, China, Bangladesh, Brasil, Egito,
México, Nigéria, Paquistão e Índia. Esses líderes reiteraram o
[...] compromisso de buscar com zelo e determinação as metas definidas pela Conferência Mundial sobre Educação para
Todos e pela Cúpula Mundial da Criança, realizadas em 1990, de atender às necessidades básicas de aprendizagem de
todos os nossos povos tornando universal a educação básica e ampliando as oportunidades de aprendizagem para crianças,
jovens e adultos. Assim fazemos com consciência plena que nossos países abrigam mais do que a metade da população
mundial e que o sucesso de nossos esforços é crucial à obtenção da meta global de educação para todos. (Unesco, 1993,
p. 2).
A par disso, recolocava-se em discussão e meta o atendimento das Necessidades Básicas de Aprendizagem, que ganhou em den-
sidade no aprimoramento da Educação Básica, melhoramento da formação docente, das condições de trabalho dos profissionais
da educação e dos recursos educativos.
A Educação Básica foi mencionada em sete momentos distintos neste documento, ligada à qualidade da educação, desenvolvimen-
to humano, expansão e melhoria dos serviços de educação básica, entre outros, ao mesmo tempo em que corrobora o compromisso
em melhorar
[...] a qualidade e relevância dos programas de educação básica através da intensificação de esforços para aperfeiçoar o
“status”, o treinamento e as condições de trabalho do magistério; melhorar os conteúdos educacionais e o material didático
e implementar outras reformas necessárias aos nossos sistemas educacionais[...] (Unesco, 1993, p. 2).
Os países signatários assumiram, em caráter de documento internacional, a compreensão proposta sobre as implicações das
suas organizações, ou desorganizações, internas no cenário educativo global, ao mesmo tempo em que se declararam cientes, de
alguma forma, das responsabilidades diante dos rearranjos econômicos, políticos, educativos globalizados, comprometendo-se no
esforço de atingir a “meta global de educação para todos” (Unesco, 1993, p. 2). Segundo o compromisso firmado
[...] em todas as nossas ações, em nível nacional e em todos os níveis, atribuiremos a mais alta prioridade ao desenvolvi-
mento humano, assegurando que uma parcela crescente dos recursos nacionais e comunitários seja canalizada à educação
básica e melhoria do gerenciamento dos recursos educacionais agora disponíveis [...] (Unesco, 1993, p. 3).
Este contexto nos remete à concepção muito ligada à característica de revisitação da Teoria do Capital Humano e da Teoria das
Competências. Compreendemos que neste documento as interferências dessas teorias se expressam nos conceitos de desenvol-
vimento humano, habilidades e destrezas.
Outro aspecto interessante foi a convocação que se fez aos “[...] colaboradores internacionais para que aumentem substancialmen-
te o apoio prestado ao nosso esforço de ampliar nossas capacidades nacionais em benefício da expansão e melhoria dos serviços
de educação básica [...]” (Unesco, 1993, p. 3). Esta convocação implicaria em parcerias de financiamento entre Organismos Inter-
nacionais, gerenciadas por países desenvolvidos, para países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. Em contrapartida, estes se
reestruturariam em prol de princípios, especialmente econômicos, internacionais.
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As Reuniões Internacionais continuaram acontecendo, coordenadas pelas Organizações Internacionais. A UNESCO lançou em 1996
diretrizes para a educação mundial do século XXI, na forma do relatório Educação: um tesouro a descobrir (Delors, 1999), re-
digido por comissão internacional, presidida por Jacques Delors, apresentando análises da situação política, social da educação
daquele momento e prognósticos para o próximo século.
A Educação Básica apareceu por cinquenta e seis vezes no documento, na perspectiva de fortalecimento da participação democrá-
tica, operacionalizando uma formação cívica com práticas e princípios de cidadania.
A educação ao longo de toda a vida permite dar uma orientação a esta dimensão social da educação. Supõe a implemen-
tação de uma escola básica de caráter universal, de boa qualidade e acessível a todos, seja qual for a sua situação geo-
gráfica, material, social ou cultural. Oferece a todos a possibilidade de dispor de novas oportunidades, terminado o ciclo de
educação inicial. Passa também pelo estímulo aos diversos talentos, pela criação de múltiplas carreiras e deve mobilizar,
para este efeito, o conjunto de recursos acumulados pela sociedade. (Delors, 1999, p. 193).
As propostas tiveram por foco o que identificamos no Brasil por Ensino Fundamental, com pouca atenção às funções do ensino
secundário ou das conformações da educação superior. As preocupações estavam com a universalização de uma educação básica
sem cair nas armadilhas da massificação, comprometendo a qualidade e a competitividade.
A educação básica deve ampliar-se, no mundo, aos 900 milhões de adultos analfabetos, aos 130 milhões de crianças não
escolarizadas, aos mais de 100 milhões de crianças que abandonam prematuramente a escola. É um vasto leque de pes-
soas a constituir prioridade para as ações de assistência técnica e de parceria, a levar a cabo sob a égide da cooperação
internacional. (Delors, 1999, p. 22).
Uma universalização da Educação Básica que mantivesse padrões aceitáveis de qualidade só era considerada possível por meio da
cooperação internacional. Isso porque, segundo os países desenvolvidos, eram os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos
que precisavam ajustar-se com urgência. Justamente os que menos condições tinham para fazê-lo.
A Comissão está bem consciente das disparidades intoleráveis que subsistem entre grupos sociais, países, ou diferentes
regiões do mundo: generalizar o acesso a uma educação básica de qualidade continua a ser um dos grandes desafios dos
finais do século XX. É, de fato, esse o sentido do compromisso que a comunidade internacional subscreveu por ocasião da
Conferência de Jomtien: porque a questão não diz respeito apenas aos países em desenvolvimento, é necessário que todos
dominem os conhecimentos indispensáveis à compreensão do mundo em que vivem. Este empenho deve ser renovado,
prosseguindo com os esforços já empreendidos. (Delors, 1999, p. 122).
As economias centrais dispuseram de capitais a serem investidos em economias periféricas, por motivações que não tinham,
prioritariamente, cunho solidário. Na lógica de desenvolvimento, daquela fase da globalização, os “desempenhos” dos Estados Na-
cionais repercutiam diretamente na economia mundial e, como parte dela, nos países desenvolvidos. Assim, o sucesso do projeto
desenvolvimentista de países “de primeiro mundo” dependia, em certa medida, dos demais.
A educação básica para as crianças pode ser definida como uma educação inicial (formal ou não formal) que vai, em
princípio, desde cerca dos três anos de idade até aos doze, ou menos um pouco. A educação básica é um indispensável
“passaporte para a vida” que faz com que os que dela se beneficiam possam escolher o que pretendem fazer, participar na
construção do futuro coletivo e continuar a aprender. A educação básica é essencial se quisermos lutar com êxito contra
as desigualdades quer entre sexos, quer no interior dos países ou entre eles. É a primeira etapa a ultrapassar para atenuar
as enormes disparidades que afligem muitos grupos humanos: mulheres, populações rurais, pobres das cidades, minorias
étnicas marginalizadas e milhões de crianças não escolarizadas que trabalham. (Delors, 1999, p. 125).
Ao definir Educação Básica como “passaporte para a vida” (Delors, 1999, p. 125) defendia-se, de alguma forma, que a educação
tudo podia. O entusiasmo demasiado com o qual se tratou as finalidades da educação, abriu espaço para expectativas falsas, de
que por si só ela poderia trazer uma espécie de redenção social.
Portanto, defendeu-se que por meio da Educação Básica que os sujeitos teriam liberdade para escolher o que iriam fazer no futuro.
Temos por certo que isso não corresponde à realidade, em tempos de capitalismo voraz, pois a liberdade acaba sendo regulada
pelos capitais que os sujeitos possuem e não apenas pela certificação que adquirem após a conclusão da Educação Básica.
A Educação Básica como “passaporte para a vida” não correspondia à realidade, contudo, ainda não afirmamos se esta foi uma
definição, no mínimo, ingênua ou se fazia parte de pressupostos ideológicos que nortearam a organização dos documentos.
O fato era, que neste contexto, legislava-se em prol de uma educação que fornecesse bases sólidas para aprendizagens futuras,
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essencialmente em relações de trabalho. Tais bases se dariam, na Educação Básica, por meio do desenvolvimento de competências
consideradas úteis.
Definindo as competências cognitivas e afetivas que devem ser desenvolvidas, assim como o corpo de conhecimentos
essenciais que devem ser transmitidos pela educação básica, os especialistas em educação podem fazer com que todas
as crianças, tanto nos países em desenvolvimento como nos países industrializados, adquiram um mínimo de competên-
cias sobre os principais domínios das aptidões cognitivas. É esta a concepção adotada na Conferência de Jomtien: Toda a
pessoa — criança, adolescente ou adulto — deve poder beneficiar de uma formação concebida para responder as suas
necessidades educativas fundamentais. Estas necessidades dizem respeito tanto aos instrumentos essenciais de apren-
dizagem (leitura, escrita, expressão oral, cálculo, resolução de problemas), como aos conteúdos educativos fundamentais
(conhecimentos, aptidões, valores e atitudes) de que o ser humano tem necessidade para sobreviver, desenvolver todas as
suas faculdades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente no desenvolvimento, melhorar a qualidade de sua
existência, tomar decisões esclarecidas e continuar a aprender. (Artigo I — I) (Declaração Mundial sobre Educação para
Todos e Quadro de Ação para Responder às Necessidades Educativas Fundamentais, 1990). (Delors, 1999, p. 126).
As competências modelariam os sujeitos a fim de serem aptos a participar ativamente da vida em sociedade, contudo, o interesse
maior estava no desenvolvimento de competências durante a educação fundamental, pois se acreditava que ela abraçava anos pro-
missores da vida dos sujeitos, entre a primeira fase da infância e antes de ingressar no mercado de trabalho. Os sujeitos poderiam
e deveriam desenvolver competências ao longo de suas vidas, mas se o fizessem no período destinado à Educação Básica seriam
muito mais ativos e úteis nas relações e, potencialmente, produtivos.
A formulação de mudanças está acontecendo agora de forma misteriosa. A defesa de um novo currículo e de mudanças é
proveniente, agora, de instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. O que é que esses sujeitos
sabem sobre a educação? Nada. Porque devemos ouvir o Banco Mundial? É completamente ridículo, mas se olhar de pro-
duzidas pelos especialistas financiados pela indústria. Eis um exemplo do mundo novo em que vivemos, que é um mundo do
domínio corporativo. Não se deve acreditar que vivemos sob controle governamental, pois, de fato, vivemos sob o domínio
corporativo e o currículo demonstra isso claramente. Não se trata mais de raízes educacionais, mas tem a ver com o FMI,
o Banco Mundial, tem a ver com laboratório de ideias. O que acontece com o neoliberalismo e as práticas educacionais?
A privatização se inicia no nível da sala de aula, o currículo, a maneira que a educação é formada. Então verifica-se a
“formulação de mudanças”, esses interesses corporativos que controlam a televisão, a maioria dos jornais, e basicamente
conseguiram o controle da narrativa. Eles promovem e impulsionam as mudanças; eles podem dizer “nós precisamos de
testes, precisamos de professores mais responsáveis, precisamos deste currículo, precisamos um currículo que seja mais
econômico, não precisamos de Sociologia, nós precisamos...” Eles podem dizer tudo isso e promover o que eles querem e
depois legalizar isso. (Bueno; Munakata; Chiozzini, 2002, p.34-35, grifo do autor).
A priori, parece-nos que as regulamentações neoliberais propuseram uma combinação, aparentemente contraditória ao desenvolvi-
mento das políticas educativas, entre: mercantilização e centralização do controle. Encontramos um exemplo para isso no exercício
do Estado em centrar forças nos resultados mensuráveis, por meio de políticas de avaliação em larga escala, e ao mesmo tempo
transferir responsabilidades ao setor privado com privatizações.
Ao mesmo tempo, embora algumas atribuições do estado sejam realmente despejadas em cima das comunidades locais,
outros aspectos do controle estatal são intensificados e tornam-se mais fortes ainda, principalmente seu controle sobre o
saber e os valores nas escolas e sobre os mecanismos de avaliação do sucesso ou fracasso institucional nessa reprodução
cultural. (Apple, 2003, p.36).
No aspecto educativo, acarretou a transferência de responsabilidades entre os entes federados, tanto no que diz respeito ao finan-
ciamento, como organização e incremento de documentos curriculares.
De acordo com Torres-Santomé (2003), o neoliberalismo teve formas específicas de pensar e projetar as políticas educacionais,
“[...] os neoliberais pretendem adequar o currículo e a vida cotidiana das escolas às necessidades dos mercados econômicos.”
(Torres-santomé, 2003, p. 194). As proposições neoliberais, neste momento da história, lançaram mão de teses em prol de uma
revisitação a uma cultura comum e do controle do Estado aos currículos escolares, por meio de reformas no sistema educacional.
A incorporação de suas teses legitimou-se na defesa do enfrentamento da desigualdade, um projeto de formação orientado pelo
ideal da democracia, na perspectiva da diferença, da cidadania e da equidade, em uma clara tentativa de redesenho da escola para
todos. Tal tentativa passou a ser entendida como possível tão somente como consequência de políticas de escola centradas na
distribuição de conhecimento por meio do desenho curricular.
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Em sociedades escolarizadas, a centralidade do currículo – ou, como é o caso brasileiro, os documentos curriculares – se torna
muito mais evidente pelo papel que cumprem na organização dos sistemas de ensino. Assim, pensar políticas educacionais exige
conhecimentos sobre políticas curriculares. Neste ponto, nos deparamos com a relevância dos estudos e pesquisas que promovam
a produção e divulgação de conhecimentos do subcampo curricular, como é o caso desta pesquisa. Especialmente, quando o inte-
resse está em induzir mudanças no espaço escolar, visto que as orientações para o trabalho pedagógico e exercício docente vêm
de orientações oficiais.
Os documentos oficiais de proposição curricular para as redes de ensino têm se transformado em pontos de contato entre
o campo da teoria, o campo da política curricular e o mundo da escola. É, especialmente, por intermédio deles que os
pesquisadores conversam com os educadores; é por intermédio dos instrumentos prescritivos e “regulatórios” da oficiali-
dade (Bernstein, 1996) que a teoria encontra espaço para dialogar com as escolas; é por meio de diretrizes, parâmetros e
propostas curriculares que os intelectuais do currículo (integrados às chamadas comunidades epistêmicas), no diálogo com
as redes de ensino, selecionam os conhecimentos, prescrevem metodologias e sugerem orientações didáticas. (Thiesen,
2011, p. 132).
Em âmbito nacional, os documentos curriculares parecem ter ganhado influência no contexto de projeto de formação e confor-
mação das práticas educativas. Por meio deles, foram legitimadas concepções de homem, sociedade, escola, educação, conheci-
mento, desenvolvimento, entre outros. Mesmo que alguns documentos se anunciassem como “de caráter não compulsório”, mas
de “orientação”, foram capazes de se expressar em diferentes níveis de concretização curricular do país sem, hipoteticamente,
comprometer a autonomia e a liberdade das escolas ou deteriorar a valorização de especificidades culturais. Este foi um dos fatos
que nos intrigou no desenvolvimento da pesquisa, isto é, os meios pelos quais documentos “não prescritivos” se tornaram mais do
que referência no cenário educativo.
No campo educativo, o neoliberalismo apresentou grandes especificidades. A começar pelo que parecia ser um paradoxo. “Contra-
ditoriamente”, o neoliberalismo educativo fortaleceu a escola como espaço estratégico na construção de respostas aos anseios do
desenvolvimento econômico e social, ainda que seus pressupostos estivessem fundados em princípios de privatização, descentra-
lização, redução da esfera pública no oferecimento da educação e em reformulações curriculares a serviço do mercado. Sobre a
relação educação e desenvolvimento, foi reconhecido o momento de crise vivenciado pelo sistema capitalista. A reorganização dos
currículos nacionais se traduziu em uma tentativa de responder às novas demandas sociais, em um claro alinhamento das teses
educativas ao mercado de trabalho.
Controle, competitividade, liberdade de escolha dos consumidores, fixação do currículo com conteúdos básicos, assim como
a submissão da educação às demandas do mercado de trabalho ou ao sucesso nos mercados abertos, foram as marcas das
políticas educacionais das décadas de 1980 e 1990. Políticas que precisaram de outras linguagens, outros discursos para
legitimar e se tornar mais apresentáveis e merecedoras de crédito, Políticas que deixaram um rastro que hoje contamina o
que se entende por educação. (Gimeno-sacristán, 2011, p. 19-20).
A proposição de Escola Básica foi orientada pelos princípios da “eficácia”, “desempenho”, “qualidade”, “excelência”, entre outros;
objetivando o fortalecimento, sobretudo econômico, da nação. Compreendemos que essas concepções (eficiência, produtividade,
qualidade, entre outras) incorporadas nas inaugurações da reforma educativa dos anos de 1990 eram questionáveis, uma vez que
os conceitos políticos foram transformados em conceitos meramente econômicos, enfraquecendo as noções de direitos e deveres.
A condição de mercadoria da educação nos remete a sua possível mercantilização. “E assim vai se dando o processo de mercan-
tilização da educação que vem acompanhado da centralização do controle e que exige a despolitização das instituições públicas.”
(Apple, 2005, p.12). Pensamos em uma educação que assume um caráter de mercadoria, como produto privilegiado na lógica do
mercado, que por sua vez dita quais conhecimentos são considerados válidos para a formação humana. De acordo com esta pers-
pectiva, fica a cargo do currículo a seleção, sistematização e distribuição do conhecimento.
“As reformas neoliberais exprimem duas vertentes que numa primeira leitura parecem estar polarizadas, mas, de fato, são diale-
ticamente complementares: liberdade dos mercados e aumento da fiscalização. Estranha combinação: mercantilização e Estado
regulamentador.” (Apple, 2003, p.117). Como já dito, os neoliberais não abriram mão do Estado, evidências para isso alocam-se
na própria reforma educativa, cujos princípios foram encontrados no mercado, para atendimento de suas necessidades, mas foi
organizada pelo Estado.
No que diz respeito à liberdade do mercado, os neoliberais importaram técnicas do setor corporativo empresarial, sobretudo as que
estavam estritamente ligadas ao ideal de eficiência. Na perspectiva de liberdade dos mercados, especificamente para influenciar
os processos educativos, houve certo tipo de confisco de alternativas do mercado, incluídas no desenvolvimento curricular.
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[...] os neoliberais enfatizam que a educação deve estar subordinada às necessidades do mercado de trabalho, estão se referin-
do a uma questão muito específica: a urgência de que o sistema educacional se ajuste às demandas do mundo dos empregos.
Isto não significa que a função social da educação seja garantir esses empregos e, menos ainda, criar fontes de trabalho. Pelo
contrário, o sistema educacional deve promover o que os neoliberais chamam de empregabilidade. Isto é, a capacidade flexível
de adaptação individual às demandas do mercado de trabalho. A função ‘social’ da educação esgota-se neste ponto. (Gentili,
1996, p. 956, grifo nosso).
Sob a ótica da empregabilidade, o trabalho deixou de ser um princípio educativo e passou a ser encarado como finalidade da edu-
cação. Ou seja, em vez dos sujeitos aprenderem por meio do trabalho, aprende para o trabalho, aprendendo o que contava como
necessário à sua inserção no mercado produtivo. A função social da educação se reduziu a este aspecto.
[...] não se confunde com técnicas didáticas ou metodológicas no processo de aprendizagem, mas um princípio ético-
político. Dentro desta perspectiva o trabalho é, ao mesmo tempo, um dever e um direito. Dever por ser justo que todos
colaborem na produção dos bens materiais, culturais e simbólicos, fundamentais à produção da vida humana. Um direito
por ser o ser humano um ser da natureza que necessita estabelecer, por sua ação consciente, um metabolismo com o meio
natural transformando-a em bens necessários à sua produção e reprodução. (Frigotto, 2009, p. 134).
Entender as relações de trabalho como dever e direito dos sujeitos, e por isso tão fundamental aos princípios educativos, atende
uma perspectiva de uma educação crítica que privilegia o desenvolvimento integral dos indivíduos. Principalmente, os das classes
menos favorecidas, que dependem da sua força de trabalho para sobrevivência.
NOTAS FINAIS
Nos documentos analisados foram lançados propósitos e princípios de reorientação para os sistemas educativos, mas, para além
destes, havia neles um sentido de necessidade e urgência por reformas educativas, que operassem o que estava sendo proposto
em prol de uma “educação mundial para todos”.
Destacamos o estreitamento de vínculo, no plano dos discursos, entre questões de Educação Básica com o combate à pobreza,
considerada uma ameaça ao desenvolvimento econômico. Em suma, compreendemos que Educação Básica pensada/proposta
tem um endereçamento privilegiado às economias do chamado Terceiro Mundo, ou do mundo em desenvolvimento. Por meio dos
documentos foram lançados propósitos e princípios de reorientação para os sistemas educativos, mas, para além de propósitos e
princípios, havia neles um sentido de necessidade e urgência por reformas educativas, que operassem o que estava sendo proposto
em prol de uma “educação mundial para todos”.
No Brasil, algumas proposições supranacionais foram incorporadas, outras serviram de influência ou, ainda, de aporte para a legi-
timação dos delineamentos que seriam esboçados para a educação. O currículo assumiu a centralidade nas reformas educativas
organizadas nos anos de 1990.
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Fecha de recepción: 20/09/2016
Fecha de aprobación: 7/02/2017