Marques, “Cartas entre escritores…” Revista de estudios literarios latinoamericanos
Número 14 / Julio 2023 / pp. 76-100 82 ISSN 2422-5932
Exploremos um pouco mais aquele primeiro gesto drummondiano em
direção ao arquivo, examinando suas operações e desdobramentos. Diz-nos
Jacques Derrida que sem rastro não pode haver arquivo e que, em sua
estrutura, o rastro supõe corte, separação da experiência, do vivido, da
origem. Segundo seus termos, o rastro é “algo que parte de uma origem mas
que logo se separa da origem e resta como um rastro na medida em que se
separou do rastreamento, da origem rastreadora. É aí que há rastro e que há
começo de arquivo. Nem todo rastro é um arquivo, mas não há arquivo sem
rastro” (Derrida, 2012: 121). Nem todo rastro constitui um arquivo,
esclarece-nos ainda Derrida,
na medida em que o arquivo supõe não apenas um rastro, mas que o rastro
seja apropriado, controlado, organizado, politicamente sob controle. Não há
arquivos sem um poder de capitalização ou de monopólio, de quase
monopólio, de reunião de rastros estatutários e reconhecidos como rastros.
Dizendo de outra maneira, não há arquivos sem poder político. (130)
O arquivo começa, então, por um trabalho de apropriação de rastros, que
demanda operações de seleção e organização desses rastros, propositalmente
escolhidos para uma relativa sobrevivência. Inscritos no arquivo, os rastros
podem ser esquecidos, posto que contêm em si a possibilidade de serem
lembrados, uma lembrança diferida. Mas, visto que nem tudo pode ser
guardado e que é próprio do rastro poder ser destruído, o trabalho de seleção,
de preservar e de pôr em reserva no arquivo, implica, em contrapartida,
violência e morte. A seleção de determinados rastros acarreta o apagamento
de tantos outros. A pulsão de morte incrusta-se no coração do arquivo,
submetendo-o a inúmeras relações de força, à dialética da memória e do
esquecimento. Grande é, pois, o poder dos arcontes do arquivo.
Ora, ao livrar aquele telegrama do descarte, da boca voraz do cesto de
lixo, do tempo, por um procedimento seletivo –afinal, tantos outros
telegramas ou cartas do mesmo teor não foram guardados–, o gesto
arquivístico do jovem Drummond opera um corte por meio do qual algo que
procede dele, diz respeito a ele, a suas experiências, separa-se dele, torna-se
independente dele, obliterando a origem. Assim separado, sob a forma de um
documento de arquivo, o telegrama resta como um rastro, vestígio
desontologizado de algo ocorrido. Todavia, jungido à serialidade, cada
documento da correspondência se coloca como passagem entre o passado, o
de sua escrita e envio, e o futuro, o de sua recepção pelo destinatário, ocorrida
tempos depois, segundo os ritmos e dramas ditados pela tecnologia postal.
No aqui e agora da carta no arquivo, seu presente, pode-se dizer que
coexistem camadas heterogêneas de tempos, encenando a defasagem própria
do diálogo epistolar. Mas ao reter o envio, abrigando a carta em seu arquivo,