Saldanha, “Ir até onde não dá mais pé” Revista de estudios literarios latinoamericanos
Número 17 / Diciembre 2024 / pp. 85-113 103 ISSN 2422-5932
tornar desesperadamente meu, como prova de amor, como prova de zelo.
Quero zelar e quero velar como segredo o que amo: velo, escondo do mundo
para que o meu segredo, o meu amor, seja totalmente só meu, porque o
guardo como precioso. Velo porque cuido, porque amo. Velo, no entanto,
porque mato aquilo que faz do Outro um outro todo Outro quando o como,
quando o coloco para dentro de mim e assim o faço permanecer comigo, sem
escolha a não ser matá-lo e, assim, velá-lo:
Não, uma marca a você dirigida, deixada, confiada, é acompanhada por uma
injunção, é na verdade instituída nessa mesma ordem que, por sua vez,
constitui você, estabelecendo sua origem ou dando-lhe lugar: destrua-me, ou
melhor, torne meu suporte invisível do lado de fora, no mundo (neste ponto,
já aparece o traço de todas as dissociações, a história das transcendências),
faça com que a proveniência da marca permaneça de agora em diante
inencontrável ou irreconhecível. Prometa-o: que ela se desfigure, transfigure
ou indetermine em seu porto, e nessa palavra você ouvirá a margem da
partida, assim como o referente na direção do qual uma translação se reporta.
Coma, beba, engula minha letra, porte-a, transporte-a em você como a lei de
uma escritura tornada seu corpo: a escritura em si. A astúcia da injunção
pode inicialmente deixar-se inspirar pela simples possibilidade da morte, pelo
perigo que um veículo traz a todo ser finito. Você ouve a catástrofe vir. Desde
então, impresso sobre o próprio traço, vindo do coração, o desejo do mortal
desperta em você o movimento (contraditório, está me acompanhando?,
dupla restrição, imposição aporética) de proteger do esquecimento esta coisa
que ao mesmo tempo se expõe à morte e se protege - em uma palavra, o
porte, a retração do ouriço, como na estrada um animal enrolado em bola.
Gostaríamos de pegá-lo nas mãos, aprendê-lo e compreendê-lo, guardá-lo
para nós, junto de nós (Derrida, 2001: 114, destaques do original)
O poema, esse outro que amo e desesperadamente gostaria de tornar meu,
de fazer com que ficasse de uma vez só e derradeiramente comigo, impõe
também à própria criatura que tem o coração ali gerado um limite: ao se
fechar, flechas e espinhos para fora, o ouriço-poema deixa como questão
a impossibilidade do devoramento total, ainda que perca alguns
pedacinhos pelo caminho nesse ato de decorar, de apre(e)nder com o
coração, nessa possibilidade de ser devorado pelo ato de amar (e ler o
poema), apre(e)ndendo toda e qualquer passagem do que vem a ser o
poema (e de falar dele, de ler nele seu valor, de apresentar a outrem uma
forma de amá-lo, lê-lo e devorá-lo):
Não é isso o poema, quando uma garantia é dada, a vinda de um
acontecimento, no momento em que a travessia da estrada chamada tradução
torna-se tão improvável quanto um acidente, contudo intensamente sonhada,