
Pereira “Arquivos de literatura digital...” Revista de estudios literarios latinoamericanos
Número 18 / Julio 2025 / pp. 116-146 120 ISSN 2422-5932
instituições públicas de pesquisa e cultura e a transferência de acervos pes-
soais de escritores falecidos para custódia de universidades e centros de me-
mória. Esses arquivos mais tradicionais, em geral centrados em manuscritos
e datiloscritos, costumam ser muito mais heteróclitos que os de literatura
digital, pois coligem, além de obras literárias, seus rascunhos, objetos pes-
soais de escritores, mobília de seus escritórios, correspondências, diários e
outros itens de miscelânea, como os que se encontram na Fundação Casa
de Ruy Barbosa, ou no Acervo de Escritores Mineiros (AEM) da UFMG.
Menos diversos, arquivos de literatura digital costumam se organizar
como recursos online que compilam tão somente links para acesso a obras
e metadados sobre elas. Apesar de hoje praticamente todos serem acessíveis
via Internet, seja na web, seja em aplicativos ou redes sociais, há arquivos
de literatura digital que antecedem a popularização da rede mundial de com-
putadores,2 sendo organizados e distribuídos em mídias físicas, como dis-
quetes ou CDs. No Brasil, merece destaque o CD Poesia Digital: Teoria, His-
tória Antologia, encartado em livro impresso homônimo, do pioneiro Jorge
Luiz Antônio (2010). Outros arquivos de literatura digital, especialmente
nos primeiros anos do século XXI, foram publicados simultaneamente em
mídias físicas e digitais, a exemplo dos dois primeiros volumes da Electronic
Literature Collection, disponíveis em website e em flash drives USB que eram
gratuitamente despachados via correio pelos organizadores. Projetos dessa
natureza fogem, no entanto, ao escopo deste estudo, que se limita a arquivos
online de literatura digital.
Os arquivos de literatura digital, como quaisquer outros arquivos lite-
rários, são dispositivos que ensejam disposições curatoriais e arcônticas mais
ou menos explícitas, já que todo arquivo é definido por escolhas do
que/como/por que arquivar. Desse modo, os arquivos de literatura digital
reproduzem dinâmicas topológicas (organizando num mesmo espaço e
tempo, ainda que virtual, materiais de origem heterotópica e heterocrônica)
e nomológicas (operando classificações, inclusões/exclusões e regulando o
acesso) típicas de qualquer arquivo (Derrida, 2001), mesmo que reinventa-
das na materialidade eletrônica.
Por consequência, os arquivos de literatura digital se revelam muito
mais do que espaços para consignação de obras arquivadas (Derrida, 2001),
visto que também culminam em sua classificação, preservação, disponibilização,
divulgação e valoração (e eventual canonização ou marginalização). Segundo Rei-
naldo Marques (2007: 14), esse acúmulo de funções é comum a arquivos
literários em geral, dado “seu caráter híbrido – um misto de biblioteca, ar-
quivo e museu. A esses acervos agregam-se, pois, novos valores: histórico-
2 Chris Funkhouser (2007) refere-se à poesia digital anterior à Internet como pré-histórica, o que pode
ser aqui estendido à literatura digital pré-web de modo mais amplo (e aos arquivos de mesmo cariz).