Oliveira Caixeta, “Ladislau, capataz…” Revista de estudios literarios latinoamericanos
Número 11 / Diciembre 2021 / pp. 118-155 146 ISSN 2422-5932
de dividir a história da literatura brasileira, a literatura nova veio do
modernismo dos anos de 1920, sendo que a qualidade integradora de
Guimarães Rosa foi precedida por ficções narrativas de escritores modernos,
destacadamente alguns do centro-sul, ao que acrescentou a síntese
modernizadora do melhor regionalismo do centro, clássico.
Como disse a pouco, o fato de Candido ter considerado os dilemas do
velho regionalismo superados, por uma ficção narrativa nova, não significava
que tivessem desaparecido suas condições de possibilidade: as do
subdesenvolvimento do país. É o que afirmou, no começo dos anos de 1970,
quando se referiu à transfiguração da tendência regionalista, na literatura
moderna da América Latina, realizada por autores como Guimarães Rosa,
especialmente afetados pelas tensões e crises políticas em curso, naqueles anos. O estudo que Bueno
(2006: 25) faz daquele período reforça a noção, prefigurada por Candido, de que Rosa acabou realizando
com excelência uma fusão dessas tendências polarizadas, o que já vinha sendo experimentado em certa
medida, nos anos de 1930, por escritores considerados “intimistas” como Cornélio Penna, Cyro dos
Anjos, e Dyonélio Machado, embora isso tenha sido desfocado naquele momento, pelos críticos. Com
Alfredo Bosi, no História concisa da literatura brasileira, Bueno (2006: 38) afirma que “as obras mais bem
sucedidas do período ficam deslocadas – e Candido [no ensaio ‘A revolução de 1930 e a cultura’]
menciona os casos fundamentais de Os Ratos e O amanuense Belmiro”. Para os três críticos, o valor formal,
estético, alcançado por esses ficcionistas, escapava a esse tipo de polarização, ao que a primeira recepção
crítica não atentou, porque mantinha a chave polarizadora, quando colocava em primeiro plano os
assuntos, fossem os “problemas” sociais das regiões atrasadas, ou questões espirituais/psicológicas
incorporadas à representação dos ambientes mais modernizados (Cf. Bueno, 2006: 37-38). Nessa
periodização canônica, a melhor ficção narrativa, posterior a 1930, com destaque para Guimarães Rosa,
superou os padrões críticos polarizadores, ultrapassou a indiferenciação de sujeito a objeto, ou como se
pode dizer hoje, recusou a apropriação/indiferenciação do outro cultural. Nos estudos sincrônicos, da
última parte do livro de Bueno, predominam ficções do centro-sul, com a exceção de Graciliano Ramos,
e a ficção dos mineiros do centro tem um sentido integrador, que depois veio a se consolidar em
Guimarães Rosa.
Parece-me que esses discursos, sobre as tendências clássicas e integradoras do centro do país,
simultaneamente pastoril e modernizado (inserido na economia de mercado do capitalismo
internacional), podem ter obtido respaldo em particularidades como as estudadas pela tese Do pastoreio à
pecuária: a invenção da modernização rural nos sertões do Brasil central. Nela, Medrado (2013) explora a história
do processo de adaptação do zebu (taurus indicus), nas regiões do centro agro-pastoril, onde a
predominância de condições geográficas favoráveis ao pastoreio extensivo desse boi acabou
possibilitando seu alastramento. O êxito da produção de zebus foi inesperado, por vários motivos, que
a tese demonstra. Os ingleses difamavam a qualidade da carne dos zebus, referindo-se a esse animal
como uma espécie zoológica, não domesticada, exótica, e associando-o a realidade colonial indiana. A
surpreendente e lucrativa adaptação desse boi se deu no primeiro pós-guerra, e venceu uma considerável
articulação de forças (Medrado, 2013: 179-189). A Inglaterra tinha estimulado uma ampla demanda
internacional, por carne vermelha, divulgando discursos que a associavam à força muscular dos soldados.
Em São Paulo e no Rio Grande do Sul, concentravam-se produtores de carne bovina, adeptos do que
passaram a exaltar como o modelo inglês da indústria pecuária intensiva, enquanto também fomentavam
estratégias discursivas depreciativas, quanto ao modelo indiano do pastoreio extensivo. A tese considera
ainda que houve grande investimento governamental, na indústria da pecuária intensiva, de raças puras
europeias, que a tecnologia da zootecnia inglesa viabilizava, apesar das dificuldades climáticas.