Oliveira Caixeta, “Ladislau, capataz…” Revista de estudios literarios latinoamericanos
Número 11 / Diciembre 2021 / pp. 118-155 118 ISSN 2422-5932
LADISLAU, CAPATAZ DO
FAZENDEIRO MOR DR. GUIMARÃES
LADISLAU, FOREMAN OF THE
GREATEST FARMER DR. GUIMARÃES
Maryllu de Oliveira Caixeta
Investigadora Independiente
Licenciada en Portugués por la Universidade Federal de Uberlândia (2005). Doctorado en Teoria de la
Literatura por la Universidade Estadual Julio de Mesquita Filho, UNESP (2013). Hizo una investigación
posdoctoral en la Universidade de São Paulo, con el proyecto “A ficção do nome do autor em Tutaméia de Guimarães
Rosa”, auspiciado por la Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Contacto: maryllucaixeta007@gmail.com
ORCID: 0000-0002-9372-5750
ARTÍCULOS
Oliveira Caixeta, “Ladislau, capataz…” Revista de estudios literarios latinoamericanos
Número 11 / Diciembre 2021 / pp. 118-155 119 ISSN 2422-5932
Fecha de envío: 30/10/20 Fecha de aceptación: 15/05/21
Tutaméia
João
Guimarães Rosa
Regionalismo amazônico
Modelo genealógico
Literatura brasileira
No Tutaméia: terceiras estórias, estudo a recorrência do chefe de vaqueiros Ladislau, em contos
que assinalam a moldura do livro, no índice de leitura. Especialmente em um deles, “Intruge-se”, que
pertence também a um grupo de contos críticos à função integradora do nome de João Guimarães Rosa,
na história da literatura brasileira. Ao lado de considerações sobre a função do Rosa regional-
universal, também destaco a repetição, em certos contos do livro, do personagem Ladislau, cujo nome
estudo desdobrando-o em significantes que evocam: o nome do regionalista amazônico Alfredo
Ladislau; São Ladislau; e o nome sugerido pelo pai de Rosa, quando recém nascido. A partir do
conto “Intruge-se”, desdobro alguns significantes, para estudar a indeterminação que Rosa produz,
quando usa o protagonista tio Ladislau, para intervir no modelo genealógico ocidentalizante,
pressuposto na evolução da história da literatura brasileira, na qual o autor assume a função canônica
de síntese transcendental da tradição regionalista a tendências modernas, amparadas pelas conquistas
modernistas.
RESUMEN
PALABRAS CLAVE
Tutaméia
João Guimarães Rosa
Amazonic regionalism
Genealogical model
Brazilian literature
In Tutaméia: terceiras estórias, I study the recurrence of the cowboy leader Ladislau, in the
stories that mark the frame of the book, in the reading index. Especially in one of them, “Intruge-
se”, which also belongs to a group of critical short stories regarding the integrating role of João
Guimarães Rosa’name, in the history of Brazilian literature. Along with considerations about the
role of the regional-universal author, I also highlight the repetition, in certain short stories of the book,
of the character Ladislau, whose name I study unfolding into signifiers that evoke: the name of the
Amazonian regionalist Alfredo Ladislau; San Ladislau; and the name suggested by João
Guimarães Rosa's father, when he was a newborn. Starting from the story “Intruge-se”, I unfold
some signifiers to study the indeterminacy produced by the author, when he uses the protagonist uncle
Ladislau, to intervene in the westernizing genealogical model, presupposed in the evolution of the
history of Brazilian literature, in the one in which the author assumes the canonical function of
transcendental synthesis of the regionalist tradition to modern currents, supported by modernist
achievements.
KEYWORDS
Oliveira Caixeta, “Ladislau, capataz…” Revista de estudios literarios latinoamericanos
Número 11 / Diciembre 2021 / pp. 118-155 120 ISSN 2422-5932
-Tem-se de redigir um abreviado de tudo.
“Sobre a escova e a dúvida”, Tutaméia
A moldura do pequeno abreviado de tudo, e o nome do autor moderno
Gostaria de propor uma reflexão sobre um dos contos de um livro muito
inventivo de João Guimarães Rosa, o Tutaméia: terceiras estórias [1967]. Mais
do que apenas pertencer a esse livro, esse conto tem uma posição
significativa na concepção geral dele, desenhada e esquematizada no índice
de leituras, e em alguns outros paratextos (Cf. Andrade, 2004). Nesse
curioso índice de leitura, o primeiro tulo começa com a letra A (“Aletria
e hermenêutica”) e os títulos vão se sucedendo em ordem alfabética até
chegar a vez do tulo iniciado pela letra Z (“Zingaresca”). Entre as várias
particularidades desse índice, destaco aquela que Suzi Sperber (1976: 49)
observou, no seu Caos e cosmos: as iniciais do nome do autor, JGR, formam
uma seqüência com um sentido próprio que interrompe a lógica da
ordenação alfabética dos títulos. Essa ordem do índice exibe com humor
um modelo de racionalidade semelhante ao do projeto enciclopédico
clássico, de esclarecimento dos leitores por uma catalogação da totalidade
das formas de ser das coisas (escritas de “A a Z”), cuja ordenação
fundamental, oferecida nos contdos do livro, constitui um regime de
acréscimos progressivos. Mas basta chegar a vez da primeira letra do nome
do autor moderno, para essa ordenação perturbar-se, e manter-se
enigmática por alguns títulos, antes de retomar a sequência alfatica,
seguindo-a até terminar em Z. Quando chega a vez da letra G de
Guimarães, começa certa desordem, e antes dela terminar, alguns tulos
depois, encontramos o conto “Intruge-se”, sobre o qual gostaria de dizer
algumas coisas, colocando-o em relação com outras partes de Tutaméia,
que tamm definem o nome do autor. A brincadeira do índice parece-me
sugerir que o nome do autor tem um sentido deslocado em relação a uma
ordem de sentido maior, mais ampla, da qual participa, nela intervindo.
A totalidade aberta e material da escrita, repartida em unidades, letras
do alfabeto romano, foi destinada pela ngua materna ao autor, que além
de pertencer a ela sendo seu falante, também pertence à literatura
brasileira. O índice de leitura já mostra tratar-se de um tipo de interveão,
que destaca a materialidade dessas combinarias de letras, a opacidade ou
a o transparência da linguagem, os pressupostos em questão, a
historicidade dessa escrita, e do nome de seu autor. Ao identificar seu
nome à desordenação da ordem alfabética, o autor parece-me assinalar seu
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distanciamento quanto ao modelo enciclodico de racionalismo que, na
literatura do regionalismo naturalista, teve expressão positivista e
determinista.
1
Além do índice, tamm parece-me muito significativa, na
concepção do livro, a capa assinada por Napoleon Potyguara Lazzarotto,
cujos desenhos figuram uma pequena cosmologia sertaneja, estilizando
motivos desenvolvidos nos contos. Indicativa do reiterado neoplatonismo
de Guimarães Rosa, a figura metasica dessa pequena cosmologia refoa
sua opção por ficcionalizar esse modelo de pensamento tangente, externo
e crítico, ao tipo de racionalismo pressuposto na literatura naturalista,
nacionalizada como expressão do regional. Em sua ficção de metafísica,
as ações narradas e os personagens parecem-me atados à transcendência
de algumas palavras, em especial nomes próprios, que vão exibindo sua
espessura alegórica, quando verticalizo o estudo, observando de perto a
materialidade dos sons e suas evocações.
Em Intruge-se”, destaco palavras que me parecem alegorizar a
tendência positivista/ordeira/finalista/empírica, e tamm
determinista/racialista da literatura brasileira regional, cuja maior
ressonância universal obteve Euclides da Cunha, ao escrever sobre
conflitos e desafios colocados pelo Norte, no epidio de Canudos
narrado n’Os sertões [1902]. Além desse livro lebre, Euclides da Cunha
também escreveu ensaios sobre a região Amanica, por volta de 1904 a
1907, bem menos conhecidos, mas de grande significado para a hisria
da região sul-americana (Cf. Hardman, 2002: 83-84). Quanto ao conto de
Tutaméia, protagonizado pelo capataz Ladislau, parece-me evocar outro
nome de autor dedicado ao Norte e que, embora nos anos de 1920-1930
tivesse obtido reconhecimento, depois veio a perder importância, na
história da literatura brasileira. Refiro-me a Alfredo Ladislau, cujo nome
parece ter sofrido efeitos de apagamento, na hisria da literatura
regionalista, ela mesma tornada secundária, quando foi definida, nos anos
de 1940, como uma tendência anacrônica.
2
Refiro-me a apagamentos
1
Sobre a crítica do racionalismo na ficção de Dr. Guimarães, conferir o ensaio “Forma literária e crítica
da lógica racionalista em Guimarães Rosa”, de João Adolfo Hansen (2012).
2
Encontro referências a algumas edições do Terra imatura, cujo texto introdutório havia sido escrito
em 1921 quando foi publicado em 1923 pela J. B dos Santos & Cia. Foi reeditado em 1925 pela Livraria
Clássica, e em 1933 pela Civilização Brasileira. Dos anos 40 aos 60, período de lançamento da obra de
Guimarães Rosa pela José Olympio, não sei se Terra imatura foi reeditado. Tenho notícia de reedições
impressas depois: em 1971, pelo Conselho Estadual de Cultura do Pará; em 1983, pela Civilização
Brasileira; em 2008 e em 2009, pela Valer. Some-se a isso, o fato da Terra imatura, revista do modernismo
paraense, publicada no final do entreguerras, ter encerrado suas publicações por dificuldades financeiras,
em 1942, o que se contrasta à visibilidade nacional de membros do Grupo dos Novos, identificados ao
estilo do modernismo do Sul (Cf. Coelho, 2003: 51-85). A propósito da constituição do anacronismo
regionalista a posteriori, pelos críticos modernistas, conferir a pesquisa de Denise Mallmann Vallerius
(2010).
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como o fato do Terra imatura [1923], de Alfredo Ladislau, ter ficado
brevemente registrado, na história da literatura brasileira, como uma
ntese tardia, anacrônica, do estilo dos principais autores do regionalismo
amazônico: Euclides da Cunha, e o já recalcitrante Alberto Rangel (Cf.
Coutinho, 1986: 313-398).
3
Esse parecer crítico foi dado por Afrânio
Coutinho, no A literatura no Brasil [1955], mais especificamente no catulo
dedicado a uma Era de transição para o modernismo, e pressupunha
que o regionalismo amazônico já estava esgotado nos anos de 1920,
quando Ladislau publicou seu livro. A posição de Coutinho sobre o
anacronismo de Alfredo Ladislau parece-me intrigante, não apenas por ter
sido produzida a posteriori, como também por ter desconsiderado o sucesso
significativo do Terra imatura, e o manifesto interesse mundial pelas
queses amazônicas, naqueles anos. O êxito do livro de Alfredo Ladislau,
nos anos de 1920, foi reforçado pelo fato de ter sido laado um ano antes
de um best seller mundial, de um autor afim: o romance La vorágine [1924],
do diplomata José Eustasio Rivera, talvez o livro regionalista amanico
de maior repercussão da literatura latino-americana do culo XX (Cf.
Foot Hardman, 2007: 142). Terra imatura caracteriza a vida na floresta, em
um estilo semelhante ao dos sonetos desse famoso autor, em Tierra de
promisión [1921], e também coincidem no parecer sobre uma Amania
estacionada, em seu esgio de terra prometida embargada, em perene
estado infantil.
Em suma, ao evocar esse nome de autor, ao que parece mantido
fora das políticas editoriais por décadas, Guimarães Rosa postulava o
retorno do foco à literatura regional amazônica, que o historiador da
literatura brasileira afirmou já ter dado sinais de esgotamento, nos anos de
1920, com Alfredo Ladislau. Guimaes Rosa sugeriu ser o Norte o ponto
de partida de uma travessia continuada, e guiada pelo capataz Ladislau,
figurando-a no conto Intruge-se”, e na própria concepção do Tutaméia
como livro.
“Intruge-sepertence a esse conjunto de contos, que interferem na
ordem alfabética e enciclodica do índice, sinalizando o gesto de
intervenção de Rosa, no racionalismo determinista e positivista, do
regionalismo naturalista. Parece-me que, particularmente, Rosa intervém
em pressupostos genealógicos ocidentalizantes que, radicados nesse tipo
de racionalismo, têm longa sobrevida entre s. O conto narra o pastoreio
de uma comitiva de vaqueiros guiada por Ladislau, sob a ordem de Drães,
reencenando o famoso mote rosiano da travessia, que os críticos
teorizaram, desde a publicação de Sagarana, como uma ultrapassagem das
3
A partir dos anos de 1940, à região Norte pertencem Estados brasileiros que ocupam grande parte da área
nacional da Floresta Amazônica.
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limitões do regionalismo. Referiram-se, desde o início, ao fato de Rosa
ter transcendido cririos regionalistas limitantes, pelo adensamento da
matéria regional (Cf. Candido, 1983: 245), e às transfigurações que tomam
figuras regionalistas de um mundo bárbaro, e as transportam às figuras
requintadas da representação estética universal (Cf. Lins, 1983: 239).
“Intruge-se é um dos contos de viagem dos quais Ladislau participa,
tratando-se também de uma viagem que vem do Norte, e que atravessa
algumas narrações compiladas nesse livro. Trata-se de uma espécie de
estória de detetive, na qual a solão de um crime, conduzida pelo
protagonista Ladislau, é uma queso de favas contadas, mostrando-se
determinada de anteo, pelo lugar social dos personagens. Ou seja, o
único personagem sobre o qual caberia recair alguma suspeita, de fato
acaba sendo responsabilizado e punido. Parece-me estranho que o final
desse conto confirme a má fama do incriminado, pois isso destoa da
tendência do livro a desfechos surpreendentes e artificiosos.
No último conto do Tutaméia, Zingaresca, somos informados de
que a comitiva, comandada por Ladislau, vem vindo com a boiada do
Norte. No final do conto e do livro, essa viagem de vinda continua, ao
som do berrante, do vaqueiro Serafim. Parece-me tratar-se de uma
alegoria. Nela, Norte” o funciona exatamente como pura designação
de um território no mapa, mas como uma coordenada bastante elástica e
alegórica, que remete a representações letradas sobre o sertão, na literatura
regionalista, de pendor naturalista. Como se sabe, os críticos o como
marco inicial do regionalismo o prefácio do romance setentrional, O
cabeleira [1876], em que Franklin Távora dividiu a literatura brasileira entre
dois irmãos: o “Norte de poetas invisibilizados, e o “Sul” de romancistas
lebres (ironicamente, incluindo o cearense Alencar). Nesse prefácio,
dedicou várias linhas à Amazônia, e a seu desejo de ver erguer-se na
floresta uma civilização de cidades, agricultura e fábricas, pois lhe parecia
necesrio descer, das eminentes contemplações alencarianas, às planícies
positivistas do pensamento do Norte (Cf. Távora, 1988: 10). Por oposição
aos estilos fantasiosos do Sul, a seu ver falseados por aderirem a modelos
estrangeiros,vora definiu o Norte como a região dos autênticos modos
nacionais de ser e de pensar. Já nas Cartas a Cincinnato [1871-1872], como
alternativa à observação de índios supostamente degradados, tinha
recomendado aos romancistas o estudo do folclore do Norte, em vez de
idealizações edificantes, como as improvisadas por Alencar, a partir de
diciorios espúrios (Cf. Távora, 1872: 152). Discursos como o de Távora,
de valorização do Norte e dos estudos do folclore, se encaixavam em
esquemas genealógicos, que divisavam a depuração da cultura, por meio
da apropriação, pelas raças superiores, das qualidades de adaptação
climática, das raças inferiores. Guimarães Rosa, no Tutaméia, alegoriza uma
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viagem que continua vindo do Norte, e intervém nessa tradição das
representações letradas sobre o sertão, quando destaca a vigência de
pressupostos como os de Távora. Encerra o livro ao sopro do
chifre/berrante do vaqueiro Serafim, sugerindo tratar-se de uma viagem
conduzida pela materialidade dos sons, com fins de transcender platitudes
positivistas. Parece-me interessante que em 1967, quando publicou
Tutaméia, Guimarães Rosa destacasse a continuidade dessa viagem de
vinda do Norte, o que contrariava os juízos sobre o anacronismo da
literatura regionalista, e sugeria a vincia de um racionalismo positivista,
votado a externios tidos como ineviveis, como ação civilizatória.
Procurarei sugerir que essa viagem por ser conduzida por Ladislau,
cujo nome parece-me significativo na hisria do regionalismo evoca
também os discursos genealógicos dos estados nacionais, do século XIX,
constitutivos da auto-identificação de alguns sujeitos à marcha da História
Ocidental, por contraste com suas definições de um outro cultural
anacrônico, situado à margem da hisria (Cf. Mbembe, 2015: 371-372).
Quando esses discursos evocavam a recorrente divisão do mundo em duas
partes, uma Ocidental e a outra Oriental, não estavam apenas nomeando
espaços geográficos, por vezes sendo até bem imprecisos a esse respeito.
Mais exatamente, consistiam em estragias retóricas com efeitos de
territorialização, semelhantes às que dividiram os dois mundos brasileiros,
e suas respectivas literaturas: uma sobre o litoral e a outra sobre o sertão,
ou o Norte (Cf. Antelo, 2017).
Quando a literatura brasileira nacionalizada de expressão regional
surgiu, no culo XIX, estavam na ordem do dia os discursos sobre as
genealogias dos estados nacionais, fundados em avaliões polarizadas
sobre o Ocidente e o Oriente. Cada um dos estados-nação nascentes, na
Europa e na América, constituíam seus discursos de unidade nacional, que
conferiam identidade ao espírito de seu povo. Uma nação identificava-se
postulando sua genealogia, não apenas étnica, como também lingüística,
mitológica, simbólica de modo geral, a que se recorria em especulações
sobre as possibilidades de uma cultura vigorar, ou o. Nesse momento,
constituíram-se grandes traçados genealógicos, discutindo-se muito sobre
o destino do Ocidente, a partir da hipótese da antiga origem da tenncia
indo-europeia à soberania, devida ao contato dos indo-europeus com um
antigssimo centro da civilização estabelecido no Oriente, nas margens
do Oceano Índico (Cf. Matos, 2002: 221-222). O interesse do século XIX
pelo Oriente dizia respeito a seu lugar ancestral de civilização antiguíssima,
considerada determinante na constituição do beo antigo da civilização
europeia. Claro que nessa operação rerica, de estabelecimento de uma
genealogia para os centros da civilização europeia, se descuidavam
completamente a diversidade e a especificidade dos povos orientais,
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enquanto se disseminava bastante um interesse duradouro pelo exotismo
dos estereótipos orientalistas. Destaco que, nesse esquema, o mais antigo
ou o primeiro civilizado (com seus navegantes, domesticadores de cavalos,
comerciantes e letrados) é maior que o segundo, que por sua vez, é
superior ao terceiro, e assim decaem sucessivamente.
Parece-me que Guimaes Rosa interm na literatura regionalista,
com recursos de humor e ironia, deslocando e indeterminando o tipo de
racionalismo, determinista e positivista, empregado em representações
letradas sobre o sero, como essas genealogias dos antiguíssimos
conquistadores fecios, pais dos indo-europeus. Como se sabe, na
literatura regionalista, assim como na antropologia, e nas ciências sociais,
encontramos autores que manifestaram grande interesse pela mestiçagem,
pensada como processo depurativo da cultura, rumo à emergência da nova
raça nacional.
4
Na literatura regionalista e naturalista, o aperfeoamento
da cultura (da raça) era uma questão de interesse genealógico. Evocando
o nome de Alfredo Ladislau, no conto “Intruge-se”, Guimarães Rosa torna
o capataz Ladislau uma mefora do estilo, metafísico e positivista, com
que o Terra imatura tra as origens da estagnão nacional, e a solução
apontada por um personagem amazonense, de estirpe superior: o poder
central deveria apoiar empreendimentos, na região.
A tipificão dos habitantes do sertão/norte, realizada na literatura
regionalista de padrão naturalista, replica a retórica europeia de
indiferenciação dos orientais. Particularmente, refiro-me às teses
metafísico-racialistas de Aiúna, personagem de Alfredo Ladislau (2008, 32-
33), no Terra imatura. A primeira parte do livro é um diálogo, que data de
1921, em Alenquer. Nele, Aiúna afirma descender de antigos
conquistadores fenícios, tendo sido essa uma das raças civilizadas
obrigadas a recuar, ante a indomável natureza p-amica, e a resistência
dos indígenas à miscigenação com as raças superiores. Defendia a
integração da região amazônica ao poder central, invocando como
prerrogativa sua ascenncia fecia. Por um longo período, teses
semelhantes causaram enorme entusiasmo mundial. O naturalista Haeckel
já tinha levantado a hitese de que a civilização européia tivesse nascido
nas margens do Oceano Índico, uma região de confluência de antigas
4
No artigo “Canaã: o horizonte racial”, José Paulo Paes (Cf. 1991) estudou, entre outras coisas, o modo
como o romance de Graça Aranha participa de toda uma longa tendência, marcante na geração de 1870,
a se incorrer em determinismos culturais, geográficos, e raciais. Segundo demonstrou, essa tendência
manteve-se até o modernismo dos anos de 1920. Como Paes (1991, p.165), Daniel Faria (Cf. 2013)
também assinalou o fato de que, em todo esse período, perdurou uma indistinção entre cultura e raça,
considerando-se ambas determinantes do estágio (inferior ou superior) de cada povo, em um caminho
que vai das culturas rústicas até as civilizações avançadas.
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culturas indo-europeias e orientais, como a dos fecios (Cf. Pereira: 2001,
253 apud Matos: 2002, 224).
Destaco o fato de Aiúna vincular a região amanica ao Oriente, ou
a entradas orientais, abertas por conquistadores antiguíssimos (Cf.
Ladislau, 2008: 33). Ana declara ter ascendência fecia, letrada, antiga,
e superior à dos povos ibéricos, que colonizaram quase toda a América
Latina. Segundo ele, antiguíssimos conquistadores fenícios, assim como
os cartagineses, os egípcios e os helenos, acabaram tornando-se raças
destroçadas e refugiadas, na Amazônia, por não terem conseguido
miscigenar com os indígenas. Além disso, parecia-lhe que as raças
remanescentes desses antiguíssimos conquistadores conservaram sua
superioridade, ao contrário de exploradores tardios, como os medrosos
latinos ibéricos, descendentes remotos dos fecios. Supunha que o
convívio e a miscigenação dos ingenas com os ibéricos devia-se à
inferioridade dessa raça, parecendo-lhe ser essa a razão tanto da fragilidade
moral e física dos povos amanicos, como do retardo prolongadíssimo
na evolão brasileira. Segundo o diagnóstico metasico-racialista de
Aiúna, a eterna estagnação das raças nacionais devia-se à ascendência
irica, por parecer-lhe não oferecer empuxo civilizacional suficiente,
ainda mais quando mal aclimatadas, na indomável região amazônica. Aiúna
dialogava com Arianda, que recusava seu pessimismo, defendendo ver no
sertanejo qualidades aproveitáveis, na exploração da região, e na
aclimatação das raças civilizadas, cujos empreendimentos deveriam ser
bem conduzidos, por novas poticas de integração do Norte ao poder
central, situado no Sul.
O Terra imatura, de Alfredo Ladislau, apresenta algumas dessas teses
de divio do país em duas partes, e oferece uma explicação geneagica
para o retardo evolutivo nacional, que culpa a imaginação metafísica
infantil das raças inferiores (incluindo nelas os povos ibéricos), e o descaso
do poder central com projetos empreendedores/civilizatórios, na região
amazônica, onde gente superior como Aiúna e Arianda poderia execu-
los. Um dos capítulos do Terra imatura, intitulado “A psicologia dos lagos”,
traz uma epígrafe do A esthetica da vida [1921], de Graça Aranha, em geral
tido como apenas um precursor do modernismo, embora Moraes (1978:
25-26, 35-40) o considere indispensável, no processo de formulação dos
conceitos-chave desse movimento, nos anos de 1920. Destaco que, nesse
livro, Graça Aranha elaborou uma terautica de superação do
inconsciente metafísico infantil, das etnias bárbaras nacionais, estagnadas,
aquém da civilizão (Cf. Paes, 1991: 167). A seu ver, uma raça smica
evoluída viria a surgir, em um futuro distante, depois da paulatina
absorção, por raças imigradas (superiores/civilizadas/adultas), dessas
etnias inferiores, paralisadas entre o terror e a estupefão, por sua
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imaginão metasica infantil. O pessimismo schopenhaueriano,
pressuposto na filosofia do inconsciente de Eduard von Hartmann, ganha
contornos próprios nesse diagnóstico de Graça Aranha, sobre a paralisia
nacional, devida à imaginação metafísica latente, avica, de seus povos
infantis, primitivos ou rbaros (Cf. Paes, 1991: 167). Já se nota no tulo
do Terra imatura, de Alfredo Ladislau, a afinidade com Gra Aranha,
sendo esse último um defensor da modernidade superior do
expressionismo, além de elaborador de uma terapêutica voltada para a cura
do inconsciente metafísico das ras nacionais inferiores.
5
Parece-me que,
ao evocar o nome de Alfredo Ladislau, o conto de Guimarães Rosa alude
a representações sobre o Norte, tomando-as como ponto de partida, na
sua viagem de autor. Intervém no padrão de representão naturalista,
usado na literatura regionalista, com ênfase no desfocado regionalismo da
região amanica, um desero verde. Guimarães Rosa interm nessa
viagem de vinda do Norte, inventando sua fião de metasica, que
parodia o tipo de racionalismo adotado pelos regionalistas, em atenção à
vincia das questões colocadas por esses escritores, cujas saídas
“lógicas/práticas/empíricas/adultas costumam determinar a
inevitabilidade de algum tipo de externio.
“Intruge-se” é um dos contos de Tutaméia, que alegoriza a viagem ou
a trajeria de Guimarães Rosa, na história da literatura brasileira. A ação
principal é um justiçamento, pelo capataz Ladislau, narrado em um estilo
que parodia westerns, como os filmados naqueles anos, do s-guerra e da
guerra fria. Como se sabe, alguns anos antes da publicação de Tutaméia,
saiu nos Estados Unidos a primeira tradução do Grande sertão: veredas, para
a língua inglesa, que viabilizava uma ampla difusão do nome do autor,
também na Europa, mediadora universal das instâncias máximas de
reconhecimento dos cânones nacionais. Rosa costumava acompanhar de
perto a escrita das traduções, mas naquele momento o pôde, o que
desencadeou anos difíceis para os tradutores e, como resultado, uma
grande simplificação da linguagem e do estilo (Cf. Pisetta, 2020). Além
disso, por motivos diversos, a primeira receão do The devil to pay in the
backlands tendeu a subvalorizar o livro, tendo em vista o fato do campo
norte-americano, de pesquisas de literatura latino-americana, favorecer
mais o estudo de obras escritas, nas variantes continentais da ngua
castelhana, chegando-se a incluir o escritor brasileiro entre os do boom (Cf.
Perrone, 2003). Boa parte das resenhas publicadas, nos anos de 1960, na
América do Norte, tratou o romance como uma imitão ruim de westerns
5
A respeito da modernidade supostamente superior da arte expressionista, e do pessimismo racialista de
Graça Aranha (1925, 30-31) acerca do inconsciente metafísico das etnias nacionais, tidas por ele como
inferiores, veja-se sua conferência “O espirito moderno” [1924].
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como os de John Ford, mas nas décadas posteriores houve um aumento
no interesse pelo escritor, e na divulgação de sua importância (Cf. Perrone,
2003: 90). Destaco essa tendência dos centros norte-americanos,
partilhada com a dos centros brasileiros, à indiferenciação: das
coordenadas espaço-temporais das terras de trás do “litoral, do
Norte/sero/Oriente/Arica do Sul; da historicidade das
representações letradas sobre o sero; de marcas no estilo, que
indeterminam as representações letradas sobre o sero (recurso tido, por
alguns cticos, como excesso metalingüístico/formalismo). Parece-me
ainda que, na perspectiva dos leitores estadunidenses, talvez no romance
sobrassem “índios”/rbaros, habitantes das terras de trás do litoral, da
Amazônia, e faltasse um mocinho em quem se reconhecessem.
Si vis pacem, para bellum
Guimarães Rosa escreve o tulo do conto Intruge-se com o g do
próprio nome e não, conforme registra o dicionário, com “j de intrujir”,
sinônimo de compreender, de enganar, e de negociar ante coisas furtadas.
A Jo Olympio lançou uma edição muito cuidadosa do livro e essa troca
de j por go me parece um eqvoco gráfico, uma gralha que teria
passado despercebida à equipe de revisão. Ficou famosa a posição
proverbial do caudilho Riobaldo, para quem pão ou pães é questão de
opiniães, mas via de regra nos sujeita quanto Deus mandar a ordem
gramatical, resultante de combinatórias do alfabeto romano, cuja
operacionalidade por permutas de vinte e poucas letras foi herança fecia,
oriental, passada aos indo-europeus. Guimarães Rosa aproveita com muito
humor os efeitos materiais dessas permutas, plantando incertezas e não-
sensos pontuais, que promovem um atrito de rericas constitutivas das
representações letradas sobre o sertão. Parece-me que o tipo de
transfiguração, realizada por Guimaes Rosa, ata-se à materialidade de
sons, tramados em campos semânticos super-assinalados, para garantir o
efeito explosivo de suas metamorfoses, como quando uma figura deflagra
o insight de outra, por vezes oposta e complementar.
Como os demais contos de Tutaméia, Intruge-se tem muita graça,
e uma anedota enigtica, como as da esfinge. que esse conto curto
difere dos demais, porque nele acontece estritamente o esperado quanto à
significação social dos personagens, e o final resulta intrigante, por
escamotear uma solução consensual para o conflito. Como observa Clara
Rowland (2011: 51-55), a propósito do episódio de Faustino em Grande
sertão: veredas, há alguns finais na fião de Rosa que, o fechando a
intriga, muitas vezes por encaminharem os personagens a destinos
exasperantes, quanto ao significado da narração, se opõem ao formato do
desenlace clássico, e exem os articios do livro, da encenação. O conto
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Número 11 / Diciembre 2021 / pp. 118-155 129 ISSN 2422-5932
parece uma narração cssica sobre a investigão de um crime, em que o
narrador não participante observa os acontecimentos, da perspectiva do
protagonista Ladislau. Mas o previvel se cumpre, quando o veredicto
condena o único vaqueiro da comitiva com antecedentes meio suspeitos,
conforme se vê cunhado em seu apelido “Piorra, regionalismo que
significa desordem. Pernoitavam no pasto fechado do Provedio, quando
o migrante do Norte, cegado de um olho, chamado Liocádio, acaba
condenado pelo assassinato de um dos vaqueiros. Sem quaisquer provas,
a comitiva veio a acatar a condenação de Liodio, o Piorra, depois do
veredicto do velho e célebre vaqueiro Rigriz. Liocádio caiu, baleado por
Ladislau, porque sacou a faca à fura-bucho”, quando reagiu à insisncia
do capataz em son-lo. Acabou assassinado e incriminado, o que tornou
possível a Ladislau prestar contas de uma viagem bem sucedida ao patrão,
Seo Drães. Um tanto hesitante, o vaqueiro Rigriz deu o veredicto, “disse,
que viu, que piscou”, e os demais acataram. Vejamos o trecho que narra o
assassinato de Liocádio por Ladislau, e o veredicto de Rigriz.
Mas Ladislau num revira-vaca, no meio do movimento, em fígado lhe
desfechou encostadamente a parabellum de doze balas, boa arma! Espichado
o ferrabruto amassou moita de mentrasto, caiu como vítima. Rigriz disse, que
viu, que piscou: - Remexam nos dobros dele, que o assassino ele era, por algum trato
ou furto!”
Tal assim.
Todos se benzeram. (ROSA, 1979: 73)
Vendo-se atacado por Liocádio, Ladislau desfecha nele a parabellum,
metáfora da imposição armada de uma ordem hegemônica, de uma “paz
armada como a que prevaleceu em todo o século XX e continua, cada vez
mais danosa, pelo XXI.
6
Como se vê, a narração estiliza a cena do conflito
armado, ao modo dos westerns, aproximando-se nesse momento da
perspectiva de Ladislau, com sua parabellum de doze balas, que usa para
guiar a comitiva de onze vaqueiros.
7
“Onze homens tangiam-nos [os
duzentos e cinenta bois], entre esses o vaqueiro Rigriz, lebre, e o
Piorra [Liocádio], filho de longe, do Norte, cegado de um olho. (ROSA,
1979: 70) [chaves minhas] No rascunho de Tutaméia, essa citão pertence
6
Muito usada na Primeira Guerra, o nome dessa arma alemã vem da conhecida máxima do Império
Romano “se queres paz, prepara-te para a guerra” (si vis pacem, para bellum). Apesar do destaque merecido
pelas duas Grandes Guerras, houve um padrão de intervenção mais discreto, nos períodos de “paz”
armada, que se repetiu durante todo o século XX.
7
Vou listar os nomes da comitiva de onze vaqueiros, guiados por Ladislau: 1. Rigriz; 2. Piorra/Liocádio;
3. Quio (o assassinado de madrugada); 4. Tiotinho; 5. Queleno; 6. Joãozão; 7. Amazono; 8. Zequiabo; 9.
Antônio Bá; 10. Zegeraldo; 11. Seiscêncio.
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Número 11 / Diciembre 2021 / pp. 118-155 130 ISSN 2422-5932
à parte final que, de o riscada, foi inteiramente reescrita por Guimarães
Rosa.
Figura 1. Rosa, João Guimarães. Intruge-se. Datiloscrito/Manuscrito, 1966, Museu
Guimarães Rosa, Coleção William Agel de Mello, Código de inventário MCGR 009/0295.
Transcrevo abaixo três pequenos trechos do rascunho riscado, que sofreram
modificações, a meu ver significativas. Destaquei as partes que o autor depois
veio a modificar, antes de publicar o texto.
1. “Liocádio, agradou o cão – que não latiu”;
2. “Espichado o sujeito caiu como vítima, amassou moita de
mentrasto”;
3. Para preservar as rasuras do trecho seguinte, apresento a
transcrição que fiz, usando recursos de tratamento de
imagem. Cito:
Figura 2. Imagem de minha transcrição de um trecho do rascunho de “Intruge-se”.
[chaves minhas]
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Número 11 / Diciembre 2021 / pp. 118-155 131 ISSN 2422-5932
Nos três trechos que destaquei, aparecem algumas informações, que
Guimarães Rosa modificou, antes de publicar o texto. Na edição impressa,
pela José Olympio, o escritor acrescentou marcas de incertezas, a respeito do
veredicto (a culpa de Liocádio), sobre seu principal pressuposto (a amizade
de Liocádio com o cão), e sobre as motivações de Ladislau (completar a
viagem com êxito, entregar a boiada em segurança, e garantir a compra da
Gralha).
No rascunho, tanto na parte riscada como na reescrita, lemos que o cão
não latiu, quando Liocádio passou e fez nele um agrado. A informação
segura, a respeito do cão não ter latido, respalda o veredicto do velho e
célebre Rigriz sobre a culpa de Liocádio, e sobre a familiaridade entre o
criminoso e o cão de guarda, que também não tinha latido, no momento do
assassinato investigado. Logo depois de Liocádio agradar o cão silente, o
conflito latente emerge em um confronto armado, e Ladislau parte para o
justiçamento com sua parabellum. Se houvesse certeza sobre o cão o ter
latido, quase não teríamos por que duvidar do veredicto do sensato velho
Rigriz, com base no indício significativo da afinidade entre Liocádio e o cão
de guarda, provável motivo do silêncio do animal, durante o assassinato
criminoso, na calada da noite.
no trecho publicado do conto, tal como o leio nas edições de Tutaméia
que consulto, a e a pela José Olympio, Guimarães Rosa preferiu
assinalar, para o leitor, que ao dar seu veredicto Rigriz apóia-se numa
informação incerta, sobre o latido do cão, e ainda pisca. “Um vaqueiro
passou, Liocádio, agradou o cão que latiu ou não latiu, não se ouviu.(Rosa,
1979: 73) Se não certeza de que o cão não late para Liocádio, se desfaz o
principal indício de sua culpa. Aqui, Guimarães Rosa destaca também a
impassibilidade auditiva do grupo, e a suficiência das afirmações de Rigriz,
segundo o qual Liocádio era o culpado por qualquer motivo indeterminado,
por trato ou furto. “Tal assim.” O veredicto incerto resolveu o caso, e parece-
me que Guimarães Rosa decidiu acrescentar, gradualmente, marcas de
incertezas, combinadas à suficiência dos pareceres de Rigriz, e das resoluções
de Ladislau.
Agora vejamos o trecho 2, da parte riscada no rascunho: “Espichado o
sujeito caiu como vítima, amassou moita de mentrasto”. Isso aparece
reescrito, no próprio rascunho, e na minha edição, do seguinte modo:
“Espichado o ferrabruto amassou moita de mentrasto, caiu como vítima.”
(Rosa, 1979: 73) Além de ter invertido a ordem dos predicados, Guimarães
Rosa também substituiu “sujeitopor “ferrabruto” (“ferrado” + bruto”).
Ao riscar sujeito”, e reforçar a nulidade do “ferrabruto” Liocádio,
Guimarães Rosa decidiu enfatizar a imagem negativa de Ladislau na comitiva.
Quanto ao cão Eu-Meu, comporta-se como uma versão antropomorfizada
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Número 11 / Diciembre 2021 / pp. 118-155 132 ISSN 2422-5932
de Ladislau, pois ambos mantém uma atitude de sujeito e objeto, ou seja, em
boa medida ignoram a comitiva, a não ser como objeto de seu pastoreio, ou
seja, ambos estão completamente possuídos pela incumbência que possuem,
de atravessar o Norte com o gado em segurança.
Para terminar o estudo dos 3 trechos do arquivo, que citei a pouco,
parece-me que o terceiro destaca muito a fixação de Ladislau quanto à
compra da Gralha, por Seo Drães. A princípio, na parte mais riscada do texto
guardado no arquivo, Guimarães Rosa tinha rasurado algo, parece-me que a
palavra “talvez”, posicionada após o nome dessa fazenda. Mas na parte
reescrita do rascunho, e no texto publicado, preferiu manter o “talvez”, que
torna incerta a compra da Gralha, ideia fixa de Ladislau, responsável pelo
êxito da viagem. Parece-me que entregar a boiada, em segurança, podia ser
decisivo nessa aquisição. Até então, Seo Drães era o dono da Fazenda-do-
Vau. A grande propriedade de Seo Drães é nomeada pelo substantivo
masculino “Vau”, que designa uma elevação da terra, dentro do rio ou do
mar; uma passagem mais rasa, onde se pode atravessar, a ou a cavalo. A
essa fazenda, talvez se some a posse de outra, a “Gralha”, cujo nome coincide
com a rubrica das artes gráficas, que indica erro tipográfico. Em Tutaméia,
Guimarães Rosa a tal ponto insiste no valor do erro, que chega a identificá-
lo às letras de seu nome, no índice do livro, usando permutas do alfabeto
para desenhar graficamente sua intervenção, na ordem positivista evocada
pelo nome de Ladislau, metonímia do regionalismo naturalista. Os nomes das
duas fazendas alegorizam dois estilos de travessia, dois estilos de escrita
ficcional. Um deles, metaforiza a passagem pelo chão, por onde dá pé no rio,
ainda que variações no nível da água e imprevistos possam tornar alguns
passos arriscados, ou mesmo exigir saltos e braçadas. A metáfora do “vau”
parece-me figurar o padrão realista de representação, que oferece um
fundamento, mesmo se transfigurado, como quando o leitor se transporta da
aparência de uma figura (o capataz Ladislau), aa continuidade semântica
teorizada na figura (o regionalismo naturalista). No outro modo de atravessar,
o da Gralha, vai faltando até o apoio incerto do chão de areia submerso, do
vau. A Gralha fura o tecido do texto, expõe o artifício da escrita, que
desconcerta com sua mundanidade gráfica o fundamento metafísico da
linguagem, como na literatura moderna do século XX, na qual por vezes o
erro é coisa positiva, material, significante, permuta de letras, cujas
associações transitórias têm efeitos nas enunciações, resultam em discursos,
e têm historicidade, o que Guimarães Rosa reiteradamente assinala, em
Tutaméia. Esse estilo de escrita ficcional, o da Gralha, resulta excessivo para
alguns leitores, porque mesmo depois de terem entendido o fundamental
(Ladislau alegoriza o regionalismo naturalista), precisam acompanhar a
representação desse fundamento deslizando, insistentemente revolvida,
esvaziada, indeterminada, e isso para nada. Ou melhor, trata-se de uma
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Número 11 / Diciembre 2021 / pp. 118-155 133 ISSN 2422-5932
operação zen, que transcende razões “horológicas”, como o autor teoriza em
várias anedotas, no prefácio “Aletria e hermenêutica”. Para nada porque,
embora tenham um teor crítico, parodístico, essas indeterminações nas
representações letradas sobre o sertão tangenciam o cânone, não constituem
as genealogias simbólicas representativas do estado-nação, nem mesmo
assimilam ou integram os aspectos mais construtivos delas, mas os atritam,
esvaziando-os.
Ladislau tem seu comportamento duplicado no de seu cão Eu-Meu, um
cachorro grande, amarelo, sério, obstinado pela estrada, presença que
acordava o dono “a horas certas, sem latir nem rosnar” (Rosa, 1979: 70).
Pouco antes do conflito armado, entre Ladislau e Liocádio, Eu-Meu talvez
tenha latido, não se ouviu, quando o suspeito o agradou ao passar. O cão
guia, primeiro não evitou o crime investigado por Ladislau, não colaborou na
investigação, e ainda mostrava impaciência ante as providências pelo luto do
assassinado. Essa indiferenciação do outro, por quem o toma estritamente
como um veículo de apropriação, está metaforizada em Eu-Meu, e também
caracteriza Ladislau, que dispara sua parabellum em Liocádio, com a
desenvoltura de um herói de western. Antes desse tiroteio, quando acharam,
pela manhã, o corpo do vaqueiro assassinado, Ladislau não quis ver, nem se
envolver nos preparativos do enterro, pois “tinha quizília àquilo.” (Rosa,
1979: 70) O Houaiss define o substantivo feminino “quizila” como sensação
de impaciência, como conflito de interesses, e nos terreiros de ritos bantus
designa algum tabu (Cf. Houaiss; Villar, 2009).
8
Parece-me que o tabu
consiste no conflito velado, indiferenciado, de um outro que ameaça o
pastoreio de Ladislau, e sua motivação também não manifesta, mas várias
vezes aludida pelo capataz, de entregar a boiada em segurança, para favorecer
a compra da Gralha. Enquanto encara a investigação do crime como uma
questão de favas contadas, o guia desconversa, perguntando a cada vaqueiro
se parece a ele que Seo Drães vai comprar a Gralha. Ao perguntar, toca a
mão do investigado. Cada um reage a seu modo, e essas reações parecem
suficientes a Ladislau, que vai soltando, uma a uma, as oito favas referentes
aos oito suspeitos, entre os dez vaqueiros vivos. Antes de pegar as oito favas,
primeiro falou com o velho Rigriz, célebre e sensato, de quem não
desconfiava. Em seguida, tocou a mão do Amazono, pensando “que raça de
outro que fosse”, mas ele não fez caso, e portanto não tinha culpa (Rosa,
1979: 71). Quando pegou oito favas, começou inocentando Liocádio, antes
de investigá-lo, e jogou fora sua fava. Apenas veio a tocar a mão de Liocádio,
depois que o cão Eu-Meu deu sinal de ter familiaridade com esse vaqueiro.
8
O Houaiss ainda a etimologia da palavra quizila, que pertence à língua quimbundo, falada em Angola
por essa família do tronco bantu, cujos falantes pertenciam a uma antiga cultura de tradição oral culta, e
foram trazidos como escravos para o Brasil.
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Nesse momento, o método de tocar a mão do outro desencadeou a reação
exasperada de Liocádio, em seguida o justiçamento por Ladislau, e por fim o
veredicto do insuspeito Rigriz sobre a culpa do baleado.
Parece-me que, com o personagem Ladislau, e seu cão Eu-Meu,
Guimarães Rosa mostra afinidade e reserva quanto ao parecer de Candido
(1983: 243-247; 2002: 186) sobre sua literatura regional-universal afastar a
atitude de sujeito e objeto, reincidente na literatura regionalista. Refiro-me às
resenhas de Candido (1983; 2002), que se seguiram à publicação de Sagarana,
louvando a capacidade de seu autor de superar essa atitude, característica do
pitoresquismo regionalista, responsável até ali por levar a região ao leitor.
Superando essa atitude de objetificação do outro cultural, na apropriação de
matérias regionais, ao ver do crítico, o autor construiu algo superior com
matéria regional: uma arte de integração total da experiência. A posição de
Candido sobre Sagarana manteve-se, no ensaio “A literatura e a formação do
homem” [1972], quando voltou a essa questão, referindo-se ao modo
caricatural com que regionalistas, por vezes, representaram a fala do homem
rude, usando uma notação fonográfica, enquanto caprichavam na escrita
hiper-formal da fala dos narradores cultos. Ao ver de Candido (2002: 91),
Guimarães Rosa sobrepujou essa dualidade, diluindo o homem culto no
rústico, integrando-os rumo à superação daquela rusticidade. Parece-me que
as reservas de Guimarães Rosa quanto a esse sentido integrador, devem-se
ao modelo genealógico pressuposto nele, que a famosa metáfora do galho
figura. Procurarei demonstrar que, em Tutaméia, Guimarães Rosa parodia essa
genealogia, ao propor sua afinidade parcial com outra metáfora arbórea, mais
robusta.
Candido enfatizava o resultado integrador dessa construção moderna,
que a seu ver superava uma atitude de objetificação do outro cultural, uma
atitude de sujeito e objeto, significativa na literatura do regionalismo
naturalista, cuja visão empírica a literatura moderna do século XX rejeitava,
em favor de operações transfiguradoras. Ao destacar o valor da integração,
desfocava coisas como aquilo que Covizzi (1978: 88-102) chamou de
excessos de Tutaméia, um livro insistente em sublinhar conflitos de
pressupostos, atritos de significantes. O valor pacificador da integração, por
vezes, articula leituras que partem do mote da viagem, da travessia, lido em
chave transcendente, mística, mítica, metafísica, folclórica. Aqui, parto do
mote da travessia, buscando o que a escrita de Guimarães Rosa evoca,
observando a historicidade de significantes, que me parecem transcendentes,
no livro.
Caudilhos do norte, ou do oeste, ou do oriente
Eu-Meu é um cachorro grande, e amarelo. Mantém-se à parte na comitiva,
com obstinação pela estrada, e urgência. Não late, ou não se ouve que tenha
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latido, nas cenas de conflito armado, e recebe o agrado de Liocádio, cujo
nome o anagrama caodilio” (cão + dilio) que, por semelhança sonora,
remete ao substantivo do espanhol caudillo. A etmologia de “cão” remonta ao
latim catellus,i diminutivo do latim catulus, que designa um cachorro pequeno,
um “cadilho” do espanhol arcaico cadillo, com datação de 1474 pelo Houaiss,
que também ao verbete a função de regionalismo nordestino, referente à
tigela onde se recolhe o tex das seringueiras (Cf. Houaiss; Villar, 2009). O
nome de Liocádio instala um campo semântico, que interliga “cachorro
pequeno”, “caudilho”, e por metonímia “seringueiro”. Some-se a isso o fato
desse nome funcionar como um anagrama, um recurso retórico que produz
sentido alterando a ordem das letras, numa palavra; o que reforça o sentido
do apelido Piorra: substantivo feminino, que significa pião e zorra, desordem
de pequena transcendência. O termo “caudilho” tem um histórico de
enunciações divergentes, pois depende de que posição o enunciador
considere autêntica ou imprópria, familiar ou estranha, de cachorro grande
ou cachorro pequeno.
9
Em “Intruge-se”, o nome de Liocádio evoca o Norte
de seringueiros, caudilhos, e cachorro pequeno, sendo esse vaqueiro o
antagonista do capataz Ladislau, cujo nome alegoriza a conquista civilizatória
do Oriente.
Assim como o nome do guia Ladislau, o nome do condenado também
me parece evocar pelo menos duas coisas. Primeiro, o nome do vaqueiro
Liocádio, caolho e apelidado Piorra, sugere a relação conflitiva entre
seringueiros e caudilhos. Ainda associo o nome de Liocádio ao de um escritor
apaixonado pelo Oriente, e assombrado pelas luzes do Ocidente. Trata-se do
western writer Lafcadio Hearn, um dos maiores intérpretes do Japão, onde se
naturalizou com o nome Koizumi Yakumo.
10
Viveu boa parte de sua vida
adulta no Japão, escrevendo literatura de viagem e contos, muitos deles
fantásticos, góticos e de horror. A literatura orientalista de Lafcadio Hearn,
escrita de 1890 a 1904, foi do deslumbramento grandiloqüente a denúncias,
que pressupõem um esquema avaliativo extraído do famoso ensaio do
estadunidense Percival Lowell, Soul of the far east [1888]. Lowell mostrava-se,
simultaneamente, perplexo, admirado com a exuberância da cultura japonesa,
e intrigado com a estagnação da ciência, em uma nação que supunha carente
de imaginação. A abordagem evolucionista de Lowell apresentava a
9
Veja-se como a posição de Oliveira Viana (Cf. 1930: 123), para quem os caudilhos eram as lideranças
regionais de resistência ao projeto getulista, diferia de um uso hoje comum em jornais, que toma o termo
“caudilho” pejorativamente, para fazer uma referência indiferenciada a qualquer líder populista latino-
americano.
10
Tomei conhecimento do nome de Lafcadio Hearn conversando com o professor Raul Antelo. Foram
muito úteis, na elaboração desse artigo, seus comentários acerca das anotações que compartilhei, no
seminário Bioestéticas: literatura, naturaleza, capital”, realizado no XLII Congreso del Instituto Internacional
de Literatura Iberoamericana (IILI), na Pontificia Universidad Javeriana, de Bogotá, em junho de 2018.
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“impersonalidade”, nas culturas do Oriente, como um traço a ser superado
rumo à conquista da individualidade, que as culturas do Ocidente tinham
alcançado; conquista indispensável ao avanço da competitividade, da
criatividade, da ciência, etc. O ensaio acusava essa impersonalidade de
predispor os orientais a se limitarem ao espírito de imitação, admiravelmente
bem sucedido, tanto nas artes como nos projetos de modernização, que
regiões mais atrasadas, mais ao oriente, copiam de regiões mais avançadas,
mais ao ocidente. O espírito de observação e de imitação daria sintoma da
lamentável carência de imaginação e de ciência, que supostamente limitava a
cultura japonesa a um estágio evolutivo anterior àquele experimentado em
culturas Ocidentais. Esse esquema interpretativo, evolutivo e metafísico,
ativa a metáfora solar do ser, definido nessa imagem da plenitude da razão:
quanto mais nos aproximarmos do poente, do velho e profundo Ocidente,
far west, mais plena, autêntica, iluminada, meridional, será a noção da
individualidade, da razão humana; do contrário, rumo à aurora, à infância, ao
Oriente, essa noção decresce em favor da imitação (Cf. Gonçalves, 2017: 90-
93). Assim considerados, ocidente e oriente assumem funções adjetivas, segundo
as quais a extrema beleza da infância humana, do Oriente, atrai o espírito
conquistador da civilização, do Ocidente.
Falar em coisas anacrônicas e estagnadas, me faz lembrar de discursos
que constituíram a categoria historiográfica regionalismo, nos anos de 1930
e nos de 1940. Rômulo de Paula Andrade (2010: 453-468) estudou o modo
muito particular com que Getúlio Vargas usou enunciados constitutivos do
regionalismo amazônico, por ocasião de alguns discursos sobre o
povoamento do Oeste, quer dizer, do Norte. No final do entreguerras,
quando teve início o Estado Novo, Getúlio Vargas lançou o programa Marcha
para o oeste [1938], que também deu nome ao ensaio de 1940 do colaborador
verde-amarelista Cassiano Ricardo. Ambos basearam-se na noção de “oeste”,
e no conceito de “fronteira”, desenvolvidos por Turner, em The frontier in
American history (1893): a fronteira, na aurora da civilização, torna-se um lugar
bárbaro à espera de uma conquista épica. O programa propunha o
povoamento do “oeste” como providência civilizatória, urgente ante
deficiências anteriormente aventadas, por escritores do regionalismo
amazônico, como Euclides da Cunha e Alberto Rangel.
Getúlio apropriou-se de pareceres dos escritores regionalistas, julgando
anacrônico o pessimismo deles sobre a estagnação da região amazônica, e
declarando sua urgência de modernizá-la. Os escritores do regionalismo
amazônico tinham constituído os discursos sobre a região: ao mesmo tempo
inferno, e paraíso embargado, dada a grandiosidade medonha da natureza,
agravada pelo abandono do Estado. Corroborando-os, o programa de
Getúlio anunciava-se como a boa nova, que vinha aplacar o pessimismo,
manifesto em numerosas denúncias na literatura. Andrade (2010: 453-468)
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observa que o regionalismo, e particularmente o Terra imatura [1923] de
Alfredo Ladislau, forneceu à Marcha para o Oeste algumas concepções
importantes: a ineficácia da tradicional calúnia ao clima como explicação para
o atraso; o abandono dessas regiões “desérticas” pelo Estado; a etnologia das
fragilidades e das vantagens da população de caboclos nordestinos, e de
sertanejos; uma catalogação de dificuldades naturais, e promessas grandiosas
de futuro. O programa Marcha para o Oeste conclamava etnias heróicas da
literatura regionalista os sertanejos, os caboclos a colonizarem os “vazios
amazônicos. Ao dar a coordenada desse vastíssimo território “oeste”,
“vazio” e “distante” , o programa repunha a indiferenciação característica
dos discursos sobre essas regiões.
O caolho Liocádio veio do Norte (Oeste, Oriente), e portava sinais
de desnorteamento, de desordem, quando acabou alvejado por Ladislau.
Liocádio: nome de cachorro pequeno, que agrada o cachorro grande do
outro, indeterminado e anagramático, desordenador, exótico, caudilho, ou
seringueiro, vítima e vitimário, cegado de um olho, inapto a observar com
correção, inautêntico, amaneirado. Ladislau mantém a ordem, e mantê-la
são favas contadas.
Como “Intruge-se” pertence ao grupo de contos, que orbitam a
perturbação da ordem alfabética produzida pelas iniciais JGR, pergunto-me
que relação o pastoreio de Ladislau tem com o nome de João Guimarães
Rosa. Parece-me que se trata de uma metáfora, de uma alegoria da trajetória
do autor, que a encarava como uma viagem. Como se sabe, em 1937,
Guimarães Rosa usou o pseudônimo Viator, quando inscreveu em um
concurso, cujo prêmio não ganhou, o manuscrito Sezão, que depois
transformou em Sagarana [1946]. Em Signo e sentimento, Suzi Sperber (1982:
103) analisa esses originais de 1937, e informa que Rosa mencionava neles
um “outro livro” intitulado Tutaméia, supondo tratar-se de sua próxima
publicação. Sabemos que só veio a publicá-lo muito depois, em 1967.
Rosa, regional-universal
A matemática não pôde progredir, até que os hindus inventassem o zero.
O DOMADOR DE BALEIAS.
Meu duvidar é da realidade sensível aparente talvez só um escamoteio das
percepções. Porém, procuro cumprir. Deveres de fundamento a vida [...]. Acredito ainda
em outras coisas, no boi, por exemplo, mamífero voador, não terrestre. Meu mestre foi, em
certo sentido, o Tio Cândido.
Era ele pequeno fazendeiro, suave trabalhador, capiau comum, aninhado em
meios-termos, acocorado. Mas também parente meu em espírito e misteriousanças. De
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fato, aceitava Deus [...]. E a Providência: as forças que regem o mundo, fechando-o em
seus limites, segundo Anaximandro. Tinha fé e uma mangueira. Árvore particular,
sua, da gente.[...]
Dizia o que dizia, apontava à árvore. [...] Mais, qualquer manga em si traz, em
caroço, o maquinismo de outra [...]. Milhões, bis, tris, lá sei, haja números para o
Infinito. [...]
Cândido olhava-a valentemente, visse Deus a nu, vulto. [...] Via os peitos da
Esfinge.
Daí, um dia, deu-me incumbência:
- Tem-se de redigir um abreviado de tudo.
“Sobre a escova e a dúvida”, Tutaméia [grifos do autor]
Como João Guimarães Rosa manteve por anos a intenção de publicar um
livro, que queria intitular Tutaméia, pergunto-me o quanto esse longo período
de espera pode tê-lo afetado, e se teria alguma relação com o primeiro
impacto dessa publicação, em 1967. Parece-me que a primeira recepção
crítica foi bastante cauta, considerando-se a posição de Rosa, na história da
literatura brasileira, sua função de síntese do melhor do regionalismo às
principais conquistas do modernismo, e o lançamento do livro, poucos meses
antes da morte do escritor. Tutaméia resultou mais ou menos secundário, ante
a fortuna crítica incomparável de Sagarana e do Grande sertão: veredas, justo
quando a morte do escritor poderia ter dado ocasião a balanços de sua obra,
considerando-se ainda o fato de Rosa ter incluído, nessas Terceiras estórias,
alguns contos críticos quanto à função de seu nome de autor, como o
“Intruge-se”. Em 1970, Lenira Marques Covizzi (1978, p.88-102) defendeu
uma dissertação, que resultou n’O insólito em Guimarães Rosa e Borges [1978], e
nela dedicou um anexo a Tutaméia, considerando o livro excessivo, além de
uma repetição dispensável de resultados anteriores, e melhor
desenvolvidos. Parece-me que a repetição, em Tutaméia, tem valor
procedimental; e nos casos dos contos situados na órbita de JGR, essa
repetição acontece como paródia do nome canônico do autor.
Como se sabe, seu nome canônico, regional-universal, define um estilo
realista, cuja densidade formal transcende limitações da tradição regionalista,
como o gosto pelo pitoresco, produzido para exportação, ou para reforçar a
suposta superioridade da cultura do “litoral”, termo que não necessariamente
diz respeito às regiões costeiras, mas aos primeiros tênues centros urbanos,
historicamente desenvolvidos perto do mar, de preferência, e de costas para
as regiões do imenso interior, cujas entradas sertão adentro, aprofundaram-
se nas margens do rio São Francisco, no século XVII, onde foi se
desenvolvendo uma cultura do pastoreio de gado (Cf. Abreu, 1998: 107, 130-
137). A cultura “litorânea” apropria, conforme suas motivações a cada
período, a tradição de se representar a exoticidade indiferenciada das figuras
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regionais, o que o nome canônico de Rosa superou, constituindo-se como
símbolo da integração dos dois Brasis, a partir dos anos de 1940.
Como eu vinha afirmando, na primeira parte desse ensaio, o conto
“Intruge-se”, estrategicamente posicionado em Tutaméia, como uma
metáfora relativa à trajetória do autor, intervém em pressupostos positivistas
e deterministas do regionalismo naturalista, particularmente no exotismo
legado pela genealogia indo-europeia. Gostaria de destacar o fato de seu
nome canônico não funcionar do mesmo modo que um nome próprio.
11
Considero também o sabido interesse do escritor pela crítica publicada a
respeito de seus livros.
12
Essa divisão entre o nome canônico do autor e seu
nome próprio parece-me bastante assinalada em Tutaméia, e a observo
especialmente no conto “Intruge-se”, que parodia estratégias retóricas usadas
na canonização de Rosa. Com Lacan (1998: 807-842), considero o nome uma
evocação de certo conjunto de significantes, enunciados por um Outro
privilegiado, a quem se atribui a posição de nomear como um pai, que
introduz o sujeito nomeado numa rede simbólica determinante dos limites
da sua significância, destinando-o a confrontar-se nela. Tendo sido dito em
um lugar privilegiado de enunciação, o nome canônico de Rosa o introduziu
em uma rede simbólica que constituiu seus limites, e seus excessos.
Os termos que definem o lugar canônico de Rosa foram enunciados
pouco depois da publicação do Sagarana [1946], por Antonio Candido, em
resenhas de jornal. Pode-se dizer que ao nome desse crítico filia-se o do Rosa
canônico. Embora definição semelhante tivesse sido dita antes, também
considero o fato do Formação da literatura brasileira: momentos decisivos [1945-
1957] ter sistematizado as duas vias evolutivas dessa história, uma bifurcação
cujos dois lados Rosa acabou unindo.
13
No trecho do prefácio de Tutaméia,
citado na epígrafe deste item, parece-me que Guimarães Rosa faz uma alusão
paródica ao mestre Candido, ao caracterizar a relação de seu mestre Tio
Cândido com uma mangueira.
14
Guimarães Rosa parodia sua familiaridade
com a lição do mestre, a quem seu nome canônico se filia. Destaco que, em
11
A propósito da diferenciação entre um nome próprio e um nome de autor, Cf. a conferência de Michel
Foucault (2013: 268-302) “O que é um autor?” [1969].
12
A respeito de conflitos envolvidos no processo de canonização de Rosa, e do interesse do escritor por
guardar e fazer anotações nos comentários dos críticos a seu respeito, Cf. o artigo “O autoarquivamento
do autor em seus álbuns. Guimarães Rosa e a crítica literária”, de Monica Gama (2014).
13
No jornal Correio da manhã, Álvaro Lins tinha publicado, em 12/04/1946, a resenha “Uma grande
estreia”, que louvava Rosa por traduzir uma temática regional/nacional numa expressão universal.
14
A propósito da mangueira de Tio Cândido, como paródia de Antonio Candido, Vélez Escallón (2014:
140-145) mostra no arquivo de Guimarães Rosa alguns documentos de sua recepção, nos anos de 1960,
por escritores como Roger Caillois, muito elogioso quanto ao escritor brasileiro. A seu ver, a metáfora
da mangueira formula uma crítica ao conceito metafísico de forma, que expõe a constituição cultural das
coisas orgânicas, ou da natureza. O articulista ainda vincula o conto “Meu tio, o Iauaretê” à antropofagia
oswaldiana.
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vez de filiar-se a ele como a um pai, posicionou-o em outro lugar cultural, o
do Tio, sugerindo uma filiação não edípica, marcada por certa reserva quanto
a esses ensinamentos. A paródia proposta pelo autor desloca o pai de seu
nome canônico à posição de Tio, conservando sua função de mestre, de
enunciador de lições incontornáveis sobre as replicações de uma mangueira.
Vera Novis (1989: 116) reparou no destaque dado por Guimarães Rosa
aos “tios”, em Tutaméia. Quanto a Tio Cândido, afirma que depoimentos
garantem tratar-se de uma referência a um homônimo de Cordisburgo, a
cidade natal do escritor. Novis cita Vilma Guimarães Rosa (2008: 90), que
confirma ter sido Mestre Candinho o primeiro professor do pai. Mas aqui,
prefiro que esse significante passe ao lado da origem localista do escritor,
geograficamente determinada como Cordisburgo, pois o conto enfatiza o
deslocamento das coordenadas do Norte-Oriente-sertão, quando evoca
certas continuidades retóricas, nas representações letradas sobre as terras de
trás do litoral. Associo o nome desse mestre à paternidade candidiana do
lugar canônico de Rosa, e pondero a paródia dessa filiação, no personagem
Tio Cândido, em suas meditações sobre a mangueira-Esfinge. Essa paródia
desloca o pai à função de Tio, comparando mestres homônimos tão
diferentes, o que assegura a equivocidade da alusão, ante depoimentos sobre
o mestre Candinho de Cordisburgo, mais semelhante ao personagem Tio
Cândido. O fato da alusão não operar por similitude, efetuando um
deslocamento até mestre Candido, a partir de outro mestre tão diferente, Tio
Cândido, permite a Guimarães Rosa, ao mesmo tempo, reconhecer algum
tipo de filiação às lições do mestre, e sugerir uma afinidade parcial com aquilo
que parodia. Aludindo à metáfora arbórea de Candido, Guimarães Rosa a
desloca até o lugar de outro monumento cosmogônico, a mangueira-Esfinge
de Tio Cândido.
15
Nesse trecho do prefácio, Guimarães Rosa produz um deslocamento
no discurso da genealogia indo-europeia, pressuposto na conhecida metáfora
candidiana do galho, quando propõe uma paródia da lição do crítico,
sugerindo outra metáfora arbórea, com a qual recusa a fragilidade daquele
galho de arbusto. A mangueira-Esfinge de Tio Cândido prolifera novas
árvores, todas familiares e monumentais, em seu poder multiplicador.
Guimarães Rosa apresenta essa reserva em relação a Candido, e assinala o
fato de usarem estratégias diferentes de filiação, pois à herança do pai, prefere
outra mais robusta, a do Tio, que é o principal ascendente em uma genealogia
matrilinear, evocada pelo autor como artifício, como figura diferencial,
contrastiva, em sua estratégia de intervenção em esquemas genealógicos
15
Refiro-me ao prefácio da primeira edição, do Formação da literatura brasileira (I), escrito a partir de 1945
e publicado em 1957, em que Candido (1997: 9) afirmava: A nossa literatura é galho secundário da
portuguesa, por sua vez arbusto de segunda ordem no jardim das Musas...”.
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constitutivos das representações letradas sobre o sertão. Mesmo preferindo
a lição de Tio Cândido, Guimarães Rosa também mostra reservas em relação
a ela, pois ao contrário das réplicas da mangueira produzidas pelas sementes,
o ficcionista não opera por similitude, quando voa de uma coisa a outra, bem
diferente, e as confronta.
Ao aludir equivocamente à metáfora do galho, Guimarães Rosa
inventou um simulacro do crítico, cuja lição consiste na metáfora genealógica
da mangueira-Esfinge, da qual deriva a metáfora da manga coração-de-boi,
que balança livre no ar. Essa lição pressupõe a filosofia do grego
Anaximandro [610 a.C. - 547 a.C] sobre a eternidade da matéria, cujo
princípio indeterminado destina-a ao infinito, rumo ao qual os contrários vão
se confrontando. Guimarães Rosa mostra familiaridade com a metafísica de
Tio Cândido, e embora mantenha certa reserva a respeito dos meios-termos
adotados por ele, afirma que ambos m afinidade quanto ao dever de duvidar
das aparências, tendo em vista o princípio indeterminado da matéria. Era ele
pequeno fazendeiro, [...] aninhado em meios-termos, acocorado. Mas também parente meu
em espírito e misteriousanças.(Rosa, 1979: 148). Destaca, na lição do Tio, o
resultado de “sempre total ovo e cálculo”, ou seja, que o Tio propõe uma
metáfora cosmogônica, e faz uso estratégico dela (Rosa, 1979: 148 e 149).
Nesse aspecto, Guimarães Rosa cunha-se por ele, mas mostra reservas no
que diz respeito aos meios-termos do mestre, quanto a seus subentendidos
conciliatórios, moderadores. Torna a manifestar a mesma reserva quando se
contrapõe, empregando uma metáfora exuberante, ao confessar sua crença
no boi, mamífero voador, não terrestre(Rosa, 1979: 148). Recusa a moderação
implicada nos subentendidos do mestre, e por contraste adota outro padrão
de verossimilhança, quando ante seus modestos ensinamentos sobre a manga
coração-de-boi, pendurada na mangueira, ousa crer no boi voador. A
mangueira da coração-de-boi e o boi voador pressupõem dois tipos de
verossimilhança. No primeiro, a parábola da mangueira tem efeitos modestos
de naturalidade, graças ao realismo da metáfora orgânica, e à esperança
depositada em um processo de desenvolvimento postergado às infinitas
sementes. A lição de Tio Cândido parodia o discurso genealógico, quando
desloca a ênfase do tronco para a proliferação das sementes, intervindo
criticamente no princípio unitário de discursos de longa fertilidade, plantados
pela geração de 1870, sobre a genealogia das civilizações, arqueologicamente
remontadas, segundo o esquema dos círculos concêntricos do tronco, em
cujo cerne está o Pai indo-europeu. No segundo tipo de verossimilhança, que
apela às extravagâncias do não-senso, o autor deriva o “boi voador” da
“manga coração-de-boi”, sublinhando a materialidade da escrita da palavra
“boi”, quando a torna um fator comum, deslocado de uma expressão a outra.
Essa operação arranha a transparência da metafísica, implicada naqueles
discursos genealógicos, tornando perceptíveis seus pressupostos, e
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promovendo de imediato o convívio dissoluto das matérias em conflito, ou
seja, indeterminando desde já, não apenas no infinito, suas limitações de
origem, suas determinações.
16
Mais adiante, diz que Tio Cândido contemplava a mangueira, “nas
horas de desânimo ou aperto, o tronco duradouramente duro, o verde-escuro
quase assustador da frondosa copa, construída. Por entre o lustro agudo das
folhas, desde novembro a janeiro pojavam as mangas coração-de-boi,
livremente no ar balançando-se.” (Rosa, 1979: 148-149) A paródia mostra
duas metáforas alusivas ao “boi” suspenso no ar: de um lado, Tio Cândido
acredita na manga coração-de-boi (mangifera indica), fruta popular hindu que
balança no ar, enquanto pende da mangueira. Tendo se adaptado em todo o
mundo, onde haja clima tropical ou subtropical, particularmente no Norte
brasileiro tornou-se o símbolo naturalista da aclimatação de antiguíssimos
ancestrais civilizados, que funcionou como determinante em discursos
como o de Távora, como o do personagem do Terra imatura, e como o de
Getúlio Vargas sobre a viabilidade de empreendimentos civilizatórios na
região. De outro lado, Guimarães Rosa diz acreditar no boi, mas se refere a
um tipo não doméstico, supra-zoológico, de mamífero voador e o terrestre,
assim como as baleias do domador interessado no zero, inventado pela
matemática hindu, por seu princípio progressivo, multiplicador, conforme
seus posicionamentos diferenciais. As permutas das letras, assim como as dos
números, periodicamente limitados e expandidos pelo zero, permitem-me
dispor combinatórias diversas de significantes, como a família semântica da
“mangueira-Esfinge”, ou como a “manga-coração-de-boi” e sua derivação de
não-senso, “boi voador”.
A árvore replicante de Tio Cândido parodia o arbusto do jardim das
musas, cujo galho transplantado mestre Candido comparou à literatura
brasileira. A fragilidade do galho transplantado deve-se ao parentesco
distante com seu lugar primordial, o jardim das musas, que se apenas em
terceiro grau. Esse modelo de filiação arbórea da literatura brasileira, similar
ao da árvore genealógica, nas relações familiares edípicas, parece-me
deslocado na lição de Tio Cândido, e indeterminado no Tutaméia que, ao
destacar a ascendência dos tios, evoca padrões matrilineares de familiaridade,
conflitantes com os da patrilinearidade indo-europeia. Nesse ponto, parece-
16
Conforme afirma, nesse prefácio, ter aprendido com o mestre Tio Cândido, Rosa explora o modo de
ser indeterminado das matérias, em sua ficção. Alguns ensaios de João Adolfo Hansen (Cf. 2007; 2012)
estudaram operações de indeterminação usadas por Rosa, em sua ficção regional, para transcender os
padrões de representação realista do regionalismo. Quando procuro descrever essas operações, a
propósito do “Intruge-se”, pressuponho várias considerações, que se podem conferir nesses estudos.
Como demonstra nesses ensaios, Rosa ora propõe formas de um fundo retórico contínuo, com valor
alegórico, metafórico; e ora propõe formas de “fundo poético indefinido”, que o leitor recebe como
“intuição sem conceito de algo indeterminado” (Hansen, 2012: 121-123).
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me que a sutil evocação de Guimarães Rosa à matrilinearidade, devida ao
posicionamento estratégico dos tios no livro, como que modulava a
enunciação de um tabu. Como se sabe, na história da literatura brasileira, e
particularmente no modernismo, Oswald de Andrade tinha estipulado o
Matriarcado Pindorama como horizonte da revolução Caraíba, obra do
antropófago. Não sem polêmica, essa meta revertia o esquema genealógico,
segundo o qual longínquas esperanças civilizatórias reportam ao antigo Pai
indo-europeu. Por motivos diferentes, mas que compartilhavam o repúdio
ao desbaratamento oswaldiano desse esquema, o autor da antropofagia
brasileira foi considerado inautêntico e destrutivo, por contemporâneos de
grande relevância como Alceu Amoroso Lima, e como Graça Aranha (Cf.
Faria, 2007; Moraes, 1978: 90-103).
Para pensar o deslocamento do mestre Candido ao mestre Tio ndido,
confronto o modelo do transplante com o modelo da semente.
17
Como se
sabe, o transplante de um galho de arbusto, de um solo histórico a outro, da
Europa à América, resultados modestos. Muito mais robusta, a esfinge
indo-americana de Tio Cândido evoca o vigor das mangueiras e a proliferação
das sementes. Plantadas em Belém, na primeira década do século XX, lá são
conhecidas como árvores clássicas dos antepassados indo-europeus, e
mantidas como símbolos da civilização aclimatada nos trópicos. Essas
mangueiras centenárias começavam a crescer quando Alfredo Ladislau, no
Terra imatura, colocou na boca de seus personagens a tese sobre os
antiguíssimos conquistadores da Amazônia. Naquele período, vinha se
sustentando por várias décadas um grande entusiasmo mundial a respeito da
arqueologia da história das civilizações americanas, letradas e antigas, que
reclamava para elas a ascendência de antiguíssimas civilizações orientais,
especialmente as fenícias.
18
Parece-me que tanto o mestre Tio Cândido como
17
Importa considerar que essas metáforas orgânicas descuidam diferenças entre as afinidades biológicas
e as afinidades entre os fatos sociais, culturais. Por exemplo, as dificuldades de integrar famílias
matrilineares e patrilineares, em um processo que implica o recalque da primeira, quando não sua
eliminação física.
18
Embora já não nos lembremos muito dele, o enigma da origem antiga, indo-europeia, das civilizações
letradas ameríndias fascinou o mundo e teve lugar na literatura brasileira, até bem avançado o século XX.
Talvez o apagamento da questão, nos livros de história da literatura, tenha sido motivado por
desdobramentos políticos genocidas dessa reivindicação da origem superior dos indo-europeus, como a
voga nos anos de 1930 das teses sobre a pureza ariana. Enquanto imagino o entusiasmo das pessoas,
naquele período, pela questão da origem indo-européia das civilizações ameríndias, vou considerando
significantes, que orbitam a metáfora da árvore genealógica ameríndia, e os cruzo com evocações
civilizatórias do nome de São Ladislau, de que trato mais detidamente, no decorrer desse ensaio. Em
1926, José Imbelloni publicou em Buenos Aires o La esfinge indiana: antiguos y nuevos aspectos del problema de
los orígenes americanos. Encontrei a referência em uma pequena resenha, escrita por G. Elliot Smith (1927:
3-5), disponível na revista Nature. Parece-me interessante a referência a essa teoria orientalista sobre a
origem antiga e civilizada da América porque, por aqueles mesmos anos, um personagem de Alfredo
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o nome de Ladislau, em “Intruge-se”, evocam essa história que saiu do foco
da história da literatura brasileira, a da imaginação da arqueologia de uma
antiga civilização oriental, fenícia, letrada e antiga, tragada pela natureza
implacável do Norte. Desfocada, essa história vinda do Norte formulou
discursos que constituíram o regionalismo, atravessaram o modernismo, e
continuam tendo transcendência para se pensar a região Sul-Americana, da
qual a Amazônia é metonímia. Ela é alegorizada em Tutaméia como uma
viagem em trânsito, não concluída em 1967, às vésperas da morte de Rosa.
No começo dos anos de 1970, como se pode conferir no famoso ensaio
“Literatura e subdesenvolvimento”, Candido (Cf. 2003) reiterou o marco
inicial modernista (não o zero hindu, mas o princípio da contagem), e
comentou o retorno do regionalismo, transfigurado na literatura moderna,
em toda a América Latina, referindo-se ao sucesso editorial dos escritores do
boom. A seu ver, o regionalismo mantinha-se incontornável, porque
perduravam as condições do subdesenvolvimento, transcendentes à
dispersão agro-industrial do modelo agro-pastoril, relocado e readaptado nas
periferias dos centros. De um lado, mantinha o marco inicial do modernismo
dos anos de 1920, a que se seguiram as conquistas estético-políticas da
literatura moderna. Do outro, a continuidade de constrições políticas, que
mantém os velhos dilemas do regionalismo.
A pouco, mencionei rapidamente o fato de Antonio Candido ter dado
enorme destaque ao livro de estreia de Guimarães Rosa, em suas “Notas de
crítica literária Sagarana”, publicadas no Diário de o Paulo, em 11/07/1946.
Nelas, afirmava tratar-se de contos que retomavam o melhor do regionalismo
do centro o das matérias populares disciplinadas nos valores clássicos, o
mais atento ao aspecto formal , mantendo certo sabor regional ao atingir a
“região da arte”, cuja densidade beira o irreal (Candido, 2002: 185-186).
Poucos dias depois de publicar o “Notas de crítica literária - Sagarana”,
Candido (1983: 243-247) reafirmou essa apreciação, quando dedicou ao livro
outro texto de crítica, que intitulou “Sagarana”, publicado n’O Jornal do Rio
Ladislau especulava, no Terra imatura, sobre as origens fenícias de antiguíssimos conquistadores
amazônicos. Acrescem a isso, as questões colocadas pela tese de Johnni Langer (2001: 31-38), Ruínas e
mitos: a arqueologia no Brasil Imperial. O estudo de Langer aborda a curiosidade que produziram objetos
arqueológicos fenícios, encontrados na América (ao final, considerados fraudulentos por inspeções
científicas alemãs), desencadeando uma verdadeira febre em leitores de todo mundo, especialmente na
segunda metade do século XIX e na primeira do XX. Langer ainda conta que entre 1873 e 1874, com
aval do IHGB, muitas revistas publicaram pesquisas epigráficas do fazendeiro Ladislau Neto, que tinha
conhecimentos de hebraico, assim como o Imperador, e quase mais ninguém por aqui. Essas pesquisas
versavam sobre uma pedra com inscrições fenícias, encontrada por Ladislau Neto na Paraíba (Cf. Langer,
2001: 35). Por aqueles anos, o New York Times também publicou artigos que noticiavam a presença de
exploradores semitas, fenícios, na América pré-cabralina. Os antepassados fenícios, a quem se atribuía a
vinculação mais antiga da escrita a uma complexa organização social por instituições formais,
legitimavam o mito da ascendência oriental da América antiga e letrada.
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de Janeiro, em 21/07/ 1946. Dessa vez, chegou a afirmar que a obra do “Dr.
Guimarães Rosa” já nascia universal, superando o problema do regionalismo
e o do nacionalismo, cujas tendências particularistas, exóticas e pitorescas,
transcendeu pela graça de um “movimento interior” especial nas narrações
(Candido, 1983: 243-247).
Repito aqui essas conhecidas definições de Antonio Candido, não
apenas pelo fato de terem se tornado pressupostos predominantes na crítica
de Rosa, como também para assinalar que Sagarana, a seu ver, integrava à
literatura universal o melhor da literatura brasileira regional, clássica e do
centro, adotando também a graça do movimento interior, parecendo referir-
se a técnicas também presentes na literatura dita “intimista” dos anos de
1930, cujo aproveitamento dos ganhos da libertação modernista Candido
postulava. Guimarães Rosa acabou significando uma síntese da literatura
regional, mais equilibrada/clássica do centro, com técnicas avançadas de
autores modernos do culo XX, que aproveitaram os ganhos da libertação
modernista, desde seu marco inicial na Semana de 1922. O regional-universal,
posterior ao modernismo, radica-se em conquistas estético-políticas,
especialmente destacadas em escritores do centro-sul.
19
No modo canônico
19
Décadas depois da estreia do Rosa canônico com Sagarana, no ensaio “A nova narrativa” [1979],
Candido veio a fazer uma retrospectiva da literatura latino-americana, escrita a partir dos anos de 1930
até os de 1970. Nesse percurso, dava destaque a Guimarães Rosa a quem definia como a “síntese final
das obsessões constitutivas da nossa ficção, até ali dissociadas: [de um lado] a sede do particular como
justificativa e como identificação; [do outro lado] o desejo do geral como aspiração ao mundo dos valores
inteligíveis à comunidade dos homens.” (Candido, 2003: 208) [chaves minhas] A periodização de
Candido (2003: 204-205) constituiu uma narrativa nova/moderna, iniciada nos anos de 1930, como certa
renovação formal, que produziu um ponto de inflexão naquelas velhas obsessões, redirecionando seu
impacto para a continuidade de um novo dilema, sobrevivente à síntese de Guimarães Rosa. A seu ver,
depois dos anos de 1930, essa renovação conduziu a uma nova divisão estético-política, entre escritores
que negam, e outros que confirmam a conquista, de liberdade e de renovação formal, realizada no
modernismo dos anos de 1920, por autores como Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Ou seja,
Candido definiu a superação moderna da velha divisão, entre ficções narrativas do Norte e do Sul, por
uma nova divisão: a dos que afirmam e a dos que negam as conquistas estético-políticas do modernismo.
O segundo modo de dividir pressupõe a integração moderna dos pólos abertos pelo prefácio regionalista
de Távora; integração mediada pela literatura do centro-sul, e canonizada em Guimarães Rosa. Hoje
canônicas, as periodizações definidas por Candido, naquele momento, estão discutidas e desdobradas,
no Uma história do romance de 30 [2006]. Luís Bueno (2006: 23) estudou algumas das polarizações que se
repetiam, nas apreciações de escritores e críticos, nos entornos dos anos de 1930. Em um pólo, os críticos
naquele momento agrupavam questões de justiça social, regionalistas, muitas vezes do “Norte”; e no
outro pólo, separavam os romances voltados para costumes de urbanidades mais associadas ao “Sul”,
focados na psicologia ou na interioridade dos personagens. A seu ver, escritores do centro como
Cornélio Penna, Cyro dos Anjos e Guimarães Rosa - foram oferecendo uma espécie de ponto de
equilíbrio, entre esses pólos. No romance de 1930, a última parte do estudo de Bueno seleciona, para
uma análise sincrônica, alguns autores que extrapolaram essas polaridades usadas pela crítica, naquele
momento, e valoriza nos romances selecionados um novo grau de elaboração estética e política de
protagonistas e de narradores, com perfis sociais mais modestos ou mesmo marginalizados,
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de dividir a história da literatura brasileira, a literatura nova veio do
modernismo dos anos de 1920, sendo que a qualidade integradora de
Guimarães Rosa foi precedida por ficções narrativas de escritores modernos,
destacadamente alguns do centro-sul, ao que acrescentou a síntese
modernizadora do melhor regionalismo do centro, clássico.
20
Como disse a pouco, o fato de Candido ter considerado os dilemas do
velho regionalismo superados, por uma ficção narrativa nova, não significava
que tivessem desaparecido suas condições de possibilidade: as do
subdesenvolvimento do país. É o que afirmou, no começo dos anos de 1970,
quando se referiu à transfiguração da tendência regionalista, na literatura
moderna da América Latina, realizada por autores como Guimarães Rosa,
especialmente afetados pelas tensões e crises políticas em curso, naqueles anos. O estudo que Bueno
(2006: 25) faz daquele período reforça a noção, prefigurada por Candido, de que Rosa acabou realizando
com excelência uma fusão dessas tendências polarizadas, o que vinha sendo experimentado em certa
medida, nos anos de 1930, por escritores considerados “intimistas” como Cornélio Penna, Cyro dos
Anjos, e Dyonélio Machado, embora isso tenha sido desfocado naquele momento, pelos críticos. Com
Alfredo Bosi, no História concisa da literatura brasileira, Bueno (2006: 38) afirma que “as obras mais bem
sucedidas do período ficam deslocadas e Candido [no ensaio ‘A revolução de 1930 e a cultura’]
menciona os casos fundamentais de Os Ratos e O amanuense Belmiro”. Para os três críticos, o valor formal,
estético, alcançado por esses ficcionistas, escapava a esse tipo de polarização, ao que a primeira recepção
crítica não atentou, porque mantinha a chave polarizadora, quando colocava em primeiro plano os
assuntos, fossem os “problemas” sociais das regiões atrasadas, ou questões espirituais/psicológicas
incorporadas à representação dos ambientes mais modernizados (Cf. Bueno, 2006: 37-38). Nessa
periodização canônica, a melhor ficção narrativa, posterior a 1930, com destaque para Guimarães Rosa,
superou os padrões críticos polarizadores, ultrapassou a indiferenciação de sujeito a objeto, ou como se
pode dizer hoje, recusou a apropriação/indiferenciação do outro cultural. Nos estudos sincrônicos, da
última parte do livro de Bueno, predominam ficções do centro-sul, com a exceção de Graciliano Ramos,
e a ficção dos mineiros do centro tem um sentido integrador, que depois veio a se consolidar em
Guimarães Rosa.
20
Parece-me que esses discursos, sobre as tendências clássicas e integradoras do centro do país,
simultaneamente pastoril e modernizado (inserido na economia de mercado do capitalismo
internacional), podem ter obtido respaldo em particularidades como as estudadas pela tese Do pastoreio à
pecuária: a invenção da modernização rural nos sertões do Brasil central. Nela, Medrado (2013) explora a história
do processo de adaptação do zebu (taurus indicus), nas regiões do centro agro-pastoril, onde a
predominância de condições geográficas favoráveis ao pastoreio extensivo desse boi acabou
possibilitando seu alastramento. O êxito da produção de zebus foi inesperado, por vários motivos, que
a tese demonstra. Os ingleses difamavam a qualidade da carne dos zebus, referindo-se a esse animal
como uma espécie zoológica, não domesticada, exótica, e associando-o a realidade colonial indiana. A
surpreendente e lucrativa adaptação desse boi se deu no primeiro pós-guerra, e venceu uma considerável
articulação de forças (Medrado, 2013: 179-189). A Inglaterra tinha estimulado uma ampla demanda
internacional, por carne vermelha, divulgando discursos que a associavam à força muscular dos soldados.
Em São Paulo e no Rio Grande do Sul, concentravam-se produtores de carne bovina, adeptos do que
passaram a exaltar como o modelo inglês da indústria pecuária intensiva, enquanto também fomentavam
estratégias discursivas depreciativas, quanto ao modelo indiano do pastoreio extensivo. A tese considera
ainda que houve grande investimento governamental, na indústria da pecuária intensiva, de raças puras
europeias, que a tecnologia da zootecnia inglesa viabilizava, apesar das dificuldades climáticas.
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que explodiu o naturalismo, cuja visão empírica, por vezes, mostrou-se
leviana na observação das aparências, embora fosse autorizada por discursos
científicos da época (Candido, 2003: 161-162). Candido atribuiu esse tipo de
visão empírica ao regionalismo, cuja consciência nacional, equivocada e
impositiva, os críticos vinham denunciando, enquanto os escritores a
afastavam como pecha. A seu ver, essa explosão do naturalismo se deveu ao
refinamento de escritores universais que, como Guimarães Rosa, nem
sempre afastaram a matéria regional, logrando transfigurá-la em um tipo de
realismo superior (tanto em consciência política, como em técnica narrativa)
ao da tradição nativista, e aos exotismos naturalistas. O nome canônico de
Rosa inclui e supera toda a chamada literatura regionalista, com suas
representações naturalistas. Regional e universal, Rosa assinou
representações artísticas, ao mesmo tempo, modernas e focadas nas regiões
mais arcaicas do país, as do sertão. Essa síntese simbólica de dois mundos,
historicamente separados, também viabilizou a integração da literatura
brasileira à literatura universal. O valor dessa capacidade integrativa, em nível
nacional e mundial, tornou o nome de Rosa modelar, na história da literatura
brasileira.
Outra relação de parentesco
Quanto ao nome regional-universal de Rosa, e sua posição na história da
literatura brasileira, como se sabe, essas coisas remontam a enunciados de
Antonio Candido. Gostaria de sugerir a suspensão do modelo edípico da
árvore genealógica, ainda frágil no regionalismo, mas florescente no
regional-universalismo, pois me parece que esse gesto de suspensão está
implicado, como metáfora crítica, na matrilinearidade recessiva do
protagonista do conto “Intruge-se”, que assume a função significativa de
capataz de Seo Drães e, segundo me parece, a de seu tio paterno. Ao destacar
certas funções sociais dos tios, em Tutaméia, Guimarães Rosa sugere o
modelo matrilinear, e o usa como paródia do modelo patrilinear indo-
europeu, pressuposto na história da literatura brasileira. No conto “Intruge-
se”, o protagonista Ladislau tem sua função de tio, discretamente enunciada
pelo narrador, combinada à de capataz sujeito a Seo Drães. Trata-se de uma
metáfora crítica do regionalismo amazônico, definido como origem vazia,
não determinante, à qual reporta a trajetória do autor.
O conto “Intruge-se parece-me parodiar um dos dois principais
caminhos da história da literatura brasileira, o regional, unido por Guimarães
Rosa à outra via basilar, a do universal. Particularmente, remete ao
regionalismo amazônico que, nas primeiras décadas do século XX, atraía um
enorme interesse internacional, talvez vinculado à importância estratégica
dessa parte fundamental da região sul-americana no continente, embora isso
tenha sido desfocado, na história da literatura brasileira.
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Número 11 / Diciembre 2021 / pp. 118-155 148 ISSN 2422-5932
No conto, os membros da comitiva até mantém um comportamento
cordato, mas a integração do grupo não chega a convencer, enquanto a
investigação do assassinato vai dando pistas de como se dão as relações e os
conflitos latentes. Parece-me que a resolução do conflito no final resulta
ambivalente, e que alguns detalhes nele desencorajam qualquer suposição de
consenso. Procurarei demonstrar algo que está em consonância com esse
desenlace ambivalente, tão hábil em desfocar conflitos como a rede de
relações simbólicas, aberta pelo nome do capataz Ladislau. Encarregado de
garantir o sucesso da viagem, e de resolver o caso de assassinato de um dos
membros da comitiva, Ladislau preocupa-se quanto a seu lugar de tio, e de
capataz a quem Seo Drães confiou um rebanho, cuja entrega segura
favorecerá uma possível compra da fazenda da Gralha. “Ele, capataz, ia
mesquinhar-se, vinha de tio. Esquecera alguma manha?” (ROSA, 1979: 72)
Ao relacionar o nome de Ladislau ao nome canônico de Rosa, considerando
também o modo como esses nomes funcionam, em partes de Tutaméia que
definem o livro e o nome do autor, acabei traçando outra rede de relações
simbólicas, paródica à do nome edípico de Rosa.
Figura 3. Gráfico das relações de parentesco de Seo Drães.
21
No gráfico desse esquema matrilinear, o tio materno ocupa o lugar mais
privilegiado na linhagem, e o sobrinho tem nele seu sogro preferencial. O
sobrinho estabelece uma aliança entre as famílias, por meio de uma relação
de afinidades e de reservas (tabus) com o tio materno. De preferência, torna-
se o genro do tio materno, o que equivale a admitir que sua prole, sua criação,
venha a ser cunhada, marcada, pelos valores clássicos da linhagem do futuro
21
Quanto ao parentesco do capataz Ladislau com tio Diógenes, o delegado do conto “O outro ou o
outro”, é uma sugestão de Vera Novis (1989: 33), que os associa ao século IV a.C., aos ensinamentos do
filósofo grego Diógenes, escritos em anedotas do historiador romano Diógenes Laércio, entre os anos
de 200 a.C. e 500 a.C.
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tio. O emblema da coruja e o do caranguejo figuram em moedinhas que
datam do período clássico grego. Napoleon Potyguara Lazzarotto os
desenhou em uma espécie de moeda, cujas faces alternam-se sem
periodicidade sistemática, ao final de algumas das narrativas de Tutaméia.
Quando termina o conto Intruge-se”, o desenho da moeda mostra o
emblema da coruja de Atena, símbolo ocidental do conhecimento, da
perspicácia, e de intrujir no sentido de compreender.
Imagino essa linhagem do nome de JGR, a partir de uma relação de
significantes que desenhei nesse gráfico, todos vinculados ao conceito do
livro. Em especial, dispus esses significantes no gráfico acima observando as
relações de subordinação do capataz tio Ladislau a seu Patrão Drães, e a um
detalhe biográfico curioso sobre o nome do escritor. Nesse gráfico, uso uma
simbologia de triângulos e círculos, hoje considerada anacrônica para
representar relações de parentesco que emergiu como certa concessão ao
naturalismo, em estudos antropológicos de famílias biológicas. Considerando
essa concessão perigosa, Lévi-Strauss (1975: 45-70) questionou o estatuto
natural da família, sublinhando seu caráter de fato social, no estudo
republicado em Antropologia estrutural, intitulado “A análise estrutural em
lingüística e em antropologia” [1945].
22
Lévi-Strauss (1975: 69) assinalou a
introdução, pela fonologia, de conceitos como o de significante, muito úteis
para a antropologia, a sociologia, e outras áreas, pensarem o tema das relações
de parentesco, um tema clássico da antropologia indígena mundial.
Pressupondo a emergência decisiva do pensamento simbólico, favorecida
pela lingüística e pelas análises do inconsciente, Lévi-Strauss (1975: 65-66)
considerou o sistema de parentesco uma linguagem não universal, resultante
de relações entre quatro termos fundamentais irmão, irmã, pai, filho , e
estruturadas por um verdadeiro “átomo do parentesco”, o tio.
Na linhagem de JGR, representada no gráfico acima, o tio materno
ocupa um lugar privilegiado como Outro determinante, quanto ao tipo de
posicionamentos que o sobrinho assume, nas relações familiares. O tio
materno, portanto, tem um papel determinante quanto aos limites iniciais das
sucessivas posturas cabíveis a esse sujeito, destinando-o a confrontar-se em
versões da rede simbólica familiar, rede que também funciona como parte
metonímica de relações simbólicas extrafamiliares (quando o sujeito busque
conservá-las/replicá-las, confrontando-se em relações simbólicas
alienadas/castradas, com riscos de neurose; ou então, mesmo quando o
sujeito confronte-se na experiência de gozo da vontade de um outro não
familiar, confrontando-se assim entre os limites da neurotização pelo familiar
e os limites de uma postura amorosa).
22
Escrito em língua francesa, esse estudo de Lévi-Strauss foi originalmente publicado, no mês de agosto
de 1945, no Word, Journal of the linguistic circle of New York, vol. I, núm. 2.
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Apresentei um esquema gráfico de tipos de relações de parentesco, que
imagino entre nomes distribuídos em narrativas definidoras do grupo
desordenador JGR, e do conceito do livro. Além do índice, parece-me que o
autor destaca o conceito do livro assinalado em paratextos como as
ilustrações, os prefácios, o conto de abertura e o conto final, etc. Em
momentos oportunos, fui me referindo a essas marcas. Procurei destacar
algumas dessas relações, estudando o conto “Intruge-se” e nomes como os
que distribuí no esquema gráfico da linhagem de JGR, que parodia o lugar
canônico do nome de Rosa.
O nome da mãe, a irmã do Tio
Vilma Guimarães Rosa (2008: 89), na biografia que fez do pai, conta que a
mãe de Guimarães Rosa chamava-se Francisca Lima Guimarães, mais
conhecida como Chiquitinha. Neste ensaio, estudei uma relação de
parentesco não edípica, que imaginei a partir de coisas que incluem uma
anedota sobre o nome do escritor, filho de Seo Floduardo Pinto Rosa,
familiarmente tratado como Fulô. Chamo a atenção para uma cultura de se
cunhar apelidos, de um tipo diferente de atribuição de nome “próprio”, que
marca um pertencimento diverso do parental, e que porta uma avaliação
socialmente significativa.
Um detalhe biográfico curioso é que, segundo Vilma Guimarães Rosa
(2008: 395), quando Dr. Guimarães Rosa nasceu, em 1908, o pai dele, o
senhor Florduardo Rosa, fazia questão de batizar a criança com o nome do
santo do dia, o Ladislau. Mas prevaleceu a vontade da mãe, a senhora
Francisca Guimarães, e o menino ficou se chamando João, em homenagem
a São João, embora a data de homenagem a esse santo tivesse passado
três dias. Na imaginação pública da Primeira República, o nome do santo
podia facilmente associar-se aos freqüentes conflitos, desenrolados nos
processos de delimitação das fronteiras regionais, a começar pelas
dificuldades que as questões fundiárias criavam aos Estados, cujo dever
previsto na Constituição de 1891 de fortalecimento da autonomia exigia a
ampliação e o adensamento da malha de municípios. São Ladislau foi
canonizado, após suas conquistas na Região Oriental, que também acabou
dando nome à região onde João Guimarães Rosa nasceu e cresceu.
23
23
A Região Oriental figurou no mapa do Brasil até os anos de 1940 alavancarem sucessivas atualizações
das fronteiras regionais e reconfigurações territoriais internas. Destaco que a cartografia de Minas Gerais,
a partir dos anos de 1940, foi mudando periodicamente, com a tendência de posicionar o estado no
centro-sul, afastando-o das retóricas sobre o Oriente, redirecionadas ao Norte, como se pode conferir
nos mapas, disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
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Figura 4. Divisão Territorial Brasileira.
24
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2002.
O rei canonizado Ladislau I, São Ladislau, no século XI estabeleceu o
Império Cristão na Hungria; uma “conquista” decisiva na definição de
conflitos étnicos e de disputas milenares. Além disso, esse território deu lugar
ao estopim da Primeira Guerra mundial, e faz fronteira com a região da
Península dos Bálcãs, por onde os refugiados do Oriente Médio entram na
Europa. No conto “Intruge-se”, o capataz Ladislau assenta a comitiva, no
pasto fechado do Provedio, nome que na língua búlgara, falada em seis
comunidades da Península Balcânica, significa providência”, sendo também
um território de conflitos milenares, abertos ou latentes. A evocação desse
nome de santo de folhinha, de calendário, funciona como metáfora
monumental da ordem cristã, que remonta à história do Império Romano,
da Europa, do Ocidente. Por sua vez, o território europeu, húngaro, que
séculos Ladislau conquistou, na fronteira com os Bálcãs, remonta à história
do começo da emergência dos estados-nação europeus, nos anos de 1870,
concomitante com as lutas das nacionalidades balcânicas por independência
política, sendo esse o contexto de surgimento da questão das origens dos
povos europeus, de suas etnias, línguas, tradições, e por contraste, quando
também elaboraram suas teorias das origens orientalistas (Cf. Matos: 2002,
217).
São Ladislau e Alfredo Ladislau evocam dois graus de um nome, ambos
relativos à territorialização, e às estratégias retóricas constitutivas dos estados-
24
Esse mapa, e os que se seguiram a ele, estão disponíveis no endereço
http://www.ipeadata.gov.br/doc/divisaoterritorialbrasileira_ibge.pdf
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nação, que dividiram o mundo em duas partes. São Ladislau fundou um limite
do extremo Ocidente, e Alfredo Ladislau apresenta em Terra imatura, na boca
do personagem Aiúna, a tese dos antepassados clássicos, dos antiguíssimos
conquistadores fenícios da região amazônica. No caso do escritor radicado
no Pará, parece-me que retóricas sobre a conquista do Oriente, extensivas ao
Norte brasileiro, presentes na imaginação pública, no século XIX e no XX,
marcavam o nome de Alfredo Ladislau e, anos depois, a vontade manifesta
pelo pai de João Guimarães Rosa, quando ao nascer o filho pretendeu
homenagear o santo do calendário. O nome do santo coincide com o nome
reivindicado pelo pai de Rosa, sendo um outro nome, substituído, apesar de
apropriado às convenções familiares. Curioso também que quando
Guimarães Rosa veio a nascer, como escritor canônico, nos anos de 1940,
sua região oriental perdia esse nome e passava a ter seu território
sucessivamente renomeado, o que parece fazer do Oriente, na experiência do
escritor, um espaço de perda de nomes, ou de proliferação deles.
Desterro, novembro de 2021
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