Em um contexto assediado pela censura artística e a violência contra a comunidade gay, lésbica e trans do Brasil, em outubro de 2017, foi inaugurada a exposição intitulada Histórias da sexualidade no MASP. Desenhada por uma equipe curatorial formada por Adriano Pedrosa, Lilia Schwarcz, Pablo León de la Barra e Camila Bechelany, a exposição propôs estimular um debate urgente, entrelaçando diferentes temporalidades, geografias e meios artísticos em torno da sexualidade, as identidades e as políticas de gênero.
Mariano López Seoane:
O MASP vem trabalhando com essa problematização das sexualidades há vários anos. No entanto, 2017 foi um ano particularmente tenso em termos das tensões e conflitos que causaram essas questões na esfera pública brasileira, e todos os episódios de censura e ataques à liberdade de expressão foram conhecidos. Como afetou o desenvolvimento deste projeto o contexto do ano passado? De que maneiras modificou ou fez que a preparação e / ou a recepção fossem diferentes?
Camila Bechelany: O MASP vinha planejando a exposição Histórias da sexualidade a cerca de dois anos antes de sua abertura, em outubro de 2017. De fato, durante os dois anos em que fiz parte da equipe curatorial do MASP, a programação foi prioritariamente pensada a partir de temas, que orientam as atividades do museu no período de um ano (exposições, seminários, aulas, oficinas, programas de filmes e vídeo, publicações). Assim, por exemplo, o ano de 2016 foi dedicado às histórias da infância e o ano de 2018 será dedicado às histórias afro-atlânticas. Normalmente, o MASP realiza grandes seminários internacionais que colocam em debate temas eleitos e que antecedem as exposições. Para a preparação do programa de 2017, acerca das histórias da sexualidade, dois seminários interdisciplinares foram realizados envolvendo profissionais que trouxeram discussões sobre as relações entre a arte e a sexualidade. Esses seminários aconteceram em setembro de 2016 e maio de 2017 e contribuíram de maneira importante para a concepção da exposição.
Em setembro de 2017, quando o conteúdo das publicações da exposição estava sendo finalizado, aconteceu o fechamento da mostra Queermuseu em Porto Alegre, em razão de acusações de apologia à pedofilia e à zoofilia. Este fato foi o início de um período de grande tensão dentro dos setores culturais no Brasil e de uma sucessão de polêmicas que ampliaram também os debates sobre as relações entre a política e as artes e acabaram por levar a cultura a debates públicos mais amplos. Nesse sentido, a exposição Histórias da sexualidade ganhou uma grande importância no debate público e acabou que se tornou, em certa medida, num espaço de resistência. Na ocasião da abertura da exposição, uma grande manifestação a favor da liberdade artística teve lugar no vão do MASP. E apesar de o MASP ter recebido críticas por ter limitado a visitação da exposição a pessoas maiores de 18 anos por razões de segurança, a recepção da exposição foi incrivelmente ampla e o MASP obteve recordes inéditos de visitação de público.
MLS: Os curadores escolheram um título com muitas ressonâncias. A primeira é o trabalho de Foucault que teve tanto impacto nos acadêmicos e em diferentes ativismos. Por sua vez, você escolheu pluralizar a palavra História e falar de Histórias da sexualidade. De que maneira o trabalho de Foucault foi uma referência para você? O que é que faz introduzir esse plural?
CB: O termo “histórias” aqui remete a um projeto amplo do MASP que desde 2015 concebe seu programa de exposições temporárias a partir da justaposição e fricção de diferentes acervos. Segundo a diretoria artística, o conceito de histórias utilizado nesses títulos é o seguinte: “histórias” que aponta para histórias múltiplas, diversas e polifônicas, histórias abertas, inconstantes e em processo, histórias em fragmentos e em camadas, histórias não totalizantes nem definitivas. “Histórias”, em português, afinal, abarca tanto a ficção quanto a não ficção, as narrativas pessoais e políticas, privadas e públicas, micro e macro. (Véase: https://masp.org.br/sobre)
Nesse sentido, a obra História da sexualidade (1976) de Michel Foucault não foi uma orientação principal para o desenvolvimento do projeto curatorial, mas claro, foi uma das referências teóricas levantadas. Principalmente a noção de “biopolítica do poder” descrita pelo filósofo e a compreensão de que nas sociedades ocidentais contemporâneas, a sexualidade, foi tão reprimida quanto incentivada, a partir de dispositivos históricos e políticos que articularam uma extensa rede de saberes que inclui formas de conhecimento diversas, dentre elas a imagem. Neste projeto curatorial, foi especialmente importante criar espaços para que múltiplas vozes pudessem coexistir.
MLS: A exposição tem 9 núcleos temáticos. Você poderia explicar brevemente a lógica dessa organização e contar um pouco sobre cada uma delas?
CB: Os 9 núcleos que integravam a exposição são: Corpos nus, Totemismos, Religiosidades, Performatividades de gênero, Jogos sexuais, Mercados sexuais, Linguagens e Voyeurismos, que se localizavam na galeria do primeiro andar, e o núcleo Políticas do corpo e Ativismos, que ficava localizado na galeria do primeiro subsolo do MASP. A organização dos núcleos não seguia uma narrativa pré-determinada no espaço do museu. A exposição podia ser visitada em diferentes percursos. A organização das obras, que eram mais de 250, também não foi feita de forma cronológica e cada núcleo abrigava obras de diferentes períodos históricos e geografias.
Corpos nus era o núcleo que abria a exposição no primeiro andar. Esse grupo reunia um grande número de nus e representações do corpo humano de maneiras diversas e com a preocupação de demonstrar corpos de múltiplas formas e gêneros. Era como uma introdução do tema da sexualidade, a partir de um gênero tradicional da história da arte: o nu. Começávamos assim, a desenvolver a reflexão sobre os temas na exposição, a partir da representação do corpo nu. Artistas apresentados: Anita Malfatti, Balthus, Chico Tabibuia, Cláudia Andujar, Édouard Manet, Eduardo Kac, Egon Schiele, Eliseu Visconti, Flávio Rezende de Carvalho, Francis Bacon, Francisco Leopoldo e Silva, Hudinilson Jr., Iris Häussler, Jean-Auguste Dominique Ingres, Juan Davila, Lionel Wendt, Maria Auxiliadora da Silva, Mickalene Thomas, Miguel Angel Rojas, Miriam Cahn, Nancy Spero, Pierre-Auguste Renoir, Rafael RG, Vicente do Rego Monteiro, Victor Meirelles.
Totemismos – seguindo pela direita, em sentido anti-horário, o visitante encontrava o núcleo do totemismo. A articulação feita ali era a partir da ideia de que o totemismo, enquanto prática social que se vincula a objetos votivos era trazida para o campo da sexualidade. Os totens como símbolos de coesão grupal, podem se articular a temas como reprodução, casamento, fertilidade e aliança entre grupos. Neste núcleo estavam reunidas imagens de falos, vulvas e seios vindos de diferentes culturas -- pré-colombiana, ameríndia, africana tradicional, europeia, brasileira, e da dita “popular”, como ex-votos. Artistas apresentados: Alexandre Cunha, Ana Mendieta, Betty Tompkins, Cibelle Cavali Bastos, Collier Schorr, Eduardo Costa, Erika Verzutti, Ernesto Neto, Hudinilson Jr., Javier Castro Rivera, Marta Minujin, Márcia X, Moacir [Soares Faria], Paulo Bruscky, Robert Mapplethorpe, Vania Toledo, além de uma série de ex-votos e alguns objetos pré-colombianos e africanos de autoria desconhecida.
Linguagens, este núcleo destacava o uso da linguagem como forma de articular o gênero e a performatividade. Destacava-se a arte conceitual e as obras que se articulavam a partir da semiótica, da língua de sinais, da comunicação por símbolos ou ainda intervenções em meios de comunicação para expressar a experiência do gênero e da sexualidade. Artistas apresentados: Almandrade, Anna Bella Geiger, Carolee Schneeman, Cristina Lucas, Dean Sameshima, Georgete Melhem, Hal Fischer, Glauco Mattoso, Jac Leirner, José Leonilson, Martha Wilson, Rivane Neuenschwander.
Performatividades de gênero, esse núcleo era orientado pela ideia de “performatividade de gênero”, expressão consagrada pela filósofa norte-americana Judith Butler, que enfatiza o fato de constantemente inventarmos nossos corpos independentemente do sexo biológico. Aqui, optamos por ter diversos retratos de personalidades que, de diferentes maneiras, questionaram a normatividade sexual binária a partir da construção de sua persona, ou a partir de um comportamento distante das normas de identidade e de orientação sexual preestabelecidas. Artistas apresentados: avaf – assume vivid astro focus, Adir Sodré, Álvaro Barrios, Carlos Leppe, Flávio Rezende de Carvalho, Giuseppe Campuzano, Graciela Iturbide, Leticia Parente, Lynda Benglis, Madalena Schwartz, Mirian Inêz da Silva, Paul Gauguin, Paz Errázuriz, Regina Vater, Teresa Margolles, Zoe Leonard.
Jogos sexuais, a referência deste núcleo são as brincadeiras, objetos e os jogos que integram a arqueologia do prazer e do desejo. A experiência da sexualidade como experiência social. Interações, a partir de práticas coletivas ou intimistas: masturbação, orgias, festas sexuais, celebrações religiosas entorno da fertilidade, fetichismos, fantasias. Artistas apresentados: Adriana Varejão, Albino Braz, Alice Neel, Bhupen Khakhar, Carlos Zéfiro, Cildo Meireles, Dorothy Iannone, Ellen Cantor, Eisen, Eizan, Hudinilson Jr., Hulda Gúzman, Leda Catunda, Louise Bourgeois, Miguel Ángel Cárdenas, Nicolas Poussin, Paulo Pedro Leal, Robert Mapplethorpe, Suzanne Valadon, Tracey Emin.
Mercados sexuais, nesse núcleo, a ideia era a representação de mercados voltados à sexualidade de maneira ampla, incluindo desde a prostituição aos espetáculos noturnos, bem como a repressão e a violência a essas práticas. O núcleo se desdobrava entorno da escultura do MASP Bailarina de catorze anos, 1880 de Edgar Degas. Na exposição, a escultura foi apresentada a partir de uma leitura relacionada à história social da obra. As bailarinas de Paris de fins do século 19 eram frequentemente jovens pobres que viviam em condições extremas e que levavam uma rotina de trabalho extremamente dura, muitas vezes trabalhando também com prostitutas. Artistas apresentados: Cícero Dias, Descartes Gadelha, Edgar Degas, Juca Martins, Lasar Segall, Marcelo Krasilcic, Miguel Ángel Cárdenas, Philip-Lorca di Corcia, Renato de Lima, Rosa Gauditano.
Religiosidades, nesse núcleo, partia-se da ideia de que imagens religiosas são também socialmente negociadas como objetos de cortejo sexual: diversas incitam o desejo e, ao mesmo tempo, procuram conter e silenciar a expressão da sexualidade. O exemplo mais conhecido talvez seja o corpo nu de São Sebastião, que aparece como mártir, e que foi apropriado pela iconografia homoerótica. Artistas apresentados: Ayrson Heráclito, Carlos Martiel, José Leonilson, Léon Ferrari, Nahum B. Zenil, Pietro Perugino, Robert Mapplethorpe, Sergio Zevallos, Virgínia de Medeiros, além da obra peruana com autoria desconhecida do século 19.
Voyeurismos. Na linguagem artística, o voyeurismo apresenta longa tradição e foi associado, prioritariamente ao comportamento masculino, mas a ideia aqui era que não só os artistas, que representam os corpos nus a partir de modelos mas também os curadores, ao examinar as obras e conferir julgamento acerca dos corpos nela presentes, e ainda o público, ao se apropriar do espaço coletivo, inscrevendo por meio de seu olhar um local privado de observação, todos são voyeurs. Artistas apresentados: Alair Gomes, Edgar Degas, François Clouet, José Antonio da Silva, Kohei Yoshiyuki, Mauricio Dias & Walter Riedweg, Miguel Angel Rojas, Moacir [Soares Faria], Pablo Picasso, Tracey Moffatt.
Políticas do corpo e ativismos, esse núcleo apresentava um conjunto de obras sobre manifestações sociais e artísticas da luta pelos direitos humanos e pela não discriminação das minorias sexuais e de gênero. Além das obras, faziam parte textos, documentação de performances, camisetas e publicações. Artistas apresentados: ActUp!, Aleta Valente, Carlos Motta, GALF (Grupo de Ação Lésbico Feminista), Gang, General Idea, Heresies Magazine, José Celestino da Silva, Lampião da Esquina, Lyz Parayzo, Movimento de Arte Pornô, Mujeres Creando, Mulherio (Revista), Pedro Lemebel, Rafael França, Maria Galindo, Roberto Jacoby e Mariana “Kiwi” Sainz, Serigrafistas Queer, Yeguas Del Apocalipsis, Valie Export, Wolfgang Tillmans, Zoe Leonard.
MLS: A exposição reúne artistas de diferentes geografias, contextos e épocas. Como foi organizada essa multiplicidade? Penso na convivência de nomes como Renoir e Hudinilson, por exemplo. Como você explica que produções tão diferentes podem pertencer a um mesmo relato curatorial?
CB: Não havia uma solução cronológica na exposição. Procuramos cruzar temporalidades, geografias e suportes a partir dos temas tratados nos núcleos, dessa forma tanto Renoir quanto Hudinilson se interessaram pela representação do corpo, mas claro em contextos muito diferentes. Nesse sentido, o objetivo era justamente colocar em tensão nessas representações para ampliar a reflexão de forma comparativa e transversal dentro da história da arte. Assim, havia em cada núcleo, momentos e períodos diferentes, colocando em diálogo, também, vários suportes e territórios. Obras de arte pré-colombianas, asiáticas, africanas, europeias, latino-americanas em pinturas, esculturas, vídeos, fotografias, bem como documentos e publicações. A intenção era desenvolver uma abordagem que desafiasse as fronteiras e hierarquias entre os objetos, suas origens, categorias e tipologias. Isso, sempre partia de alguma obra do acervo do MASP de artistas como Edgard Degas, Maria Auxiliadora da Silva, Pablo Picasso, Paul Gauguin, Suzanne Valadon e Victor Meirelles, mas expostas em novos contextos, com possibilidades de compreensão e leitura ampliadas.
MLS: Como foi a reação do público a esta exposição? Eu imagino uma série de reações e respostas, um arco múltiplo. Você poderia nos dar exemplos das respostas, reações ou comentários mais relevantes?
CB: As reações foram, em efeito, bem distintas, assim também como é o público de um museu como o MASP, diversificado. O MASP tem uma linha de comunicação que é muito presente nas redes sociais e nesses espaços principalmente é que houveram reações inflamadas contra a exposição. Mas a grande parte das reações foi positiva. A mostra também bateu recordes de visitação do museu, tendo recebido somente nos primeiros dois meses de exposição mais de 75 mil visitantes.
Mas, sobretudo, acho importante pensarmos retrospectivamente aqui como a exposição pôde configurar e criar espaço para que um debate público que estava em curso sobre uma ideia de censura e liberdade artística se complexificasse. Como falamos acima, a abertura da exposição (19 de outubro de 2017) coincidiu com um momento em que estavam acontecendo polêmicas e disputas no campo cultural no Brasil. O debate público teve início no mês de setembro de 2017, quando aconteceu o fechamento, na cidade de Porto Alegre, da exposição Queermuseum-Cartografias da Diferença na Arte Brasileira por decisão da instituição que acolhia o projeto, o Santander Cultural. A exposição foi fechada, cerca de um mês após sua inauguração no dia 11 de setembro, por causa de acusações alegando a incitação à pedofilia e blasfêmia. Essas violentas acusações geraram uma reação da classe artística e uma mobilização em favor da liberdade artística e livre expressão. Seguiram-se ainda dois episódios de acusações e de perseguições a artistas em instituições artísticas num período de poucas semanas: na ocasião da performance La Bête do artista Wagner Schwartz no Museu de Arte Moderna de São Paulo e a exposição Faça você mesmo sua capela sistina – Pedro Moraleida no Palácio das Artes em Belo Horizonte. Em todos os casos, houve replicação de mensagens de ódio nas redes sociais e ataques diretos à artistas, curadores e outros profissionais da cultura por parte de grupos de ultraconservadores, como o MBL (Movimento Brasil Livre).
A polarização que víamos tomar corpo ali era o reflexo de uma polarização maior no contexto político brasileiro. E, sobretudo, a onda conservadora que se espalhava pelos setores culturais já havia tido início em 2016 com algumas incriminações ligadas à Lei Rouanet de incentivo à cultura, a diminuição do orçamento federal para o setor cultural e o fechamento do Ministério da Cultura pelo governo Temer. Na data de abertura de Histórias da sexualidade, houve uma grande mobilização da classe artística e uma manifestação a favor da liberdade e contra a censura que aconteceu durante a noite de abertura no vão do MASP. O Museu tinha uma posição clara de defesa da liberdade de expressão e a exposição tinha como texto de abertura uma reflexão sobre esse tema.
No entanto, a classe artística foi em parte crítica ao fato de o museu ter proibido a visitação da exposição aos menores de 18 anos. A decisão do museu pela restrição etária foi baseada em aconselhamento jurídico e garantia efetivamente que a exposição permanecesse aberta ao público. Mas alguns viram essa decisão como uma forma de concessão à pressão pública conservadora. E o que ocorreu em seguida, foi que alguns grupos da sociedade civil, sobretudo pais e mães, entraram com ações legais para que a exposição pudesse ser visitada por pessoas de qualquer faixa etária e para que pudessem levar seus filhos. Finalmente, após quase dois meses da inauguração, a exposição pôde, a partir de uma recomendação do Ministério Público Brasileiro, ser aberta à visitação de menores acompanhados de pais ou responsáveis.
Por todos esse fatos que envolveram a recepção da exposição, vemos que ela pôde funcionar como um espaço para o debate público. Acho que isso é uma grande contribuição desse projeto. Num país em que os níveis de homofobia e o preconceito contra mulheres são dos maiores do mundo, a exposição cumpria também um papel didático e por isso a recepção do público jovem foi extremamente importante pra nós.
MLS: A exposição envolveu uma série de programas públicos; seminários, atividades abertas, etc.; Como funcionou essa parte do programa? Permitiu uma troca de ideias e um diálogo com o público, mesmo com os mais resistentes a este tipo de proposta?
CB: A equipe de mediação e programas públicos do MASP colocou em prática, de outubro de 2017 a fevereiro de 2018, durante o período da exposição, um ciclo de oficinas e uma programação de filmes e vídeos para o público adulto. Além dessas atividades, ainda foram organizadas palestras e cursos dedicados a temas conectados com as questões da exposição. As oficinas (12 ao total) aconteceram sempre nos finais de semana e trabalharam com a temática da sexualidade a partir de determinadas práticas corporais, suas transfigurações em discursos, saberes, regimes de verdade e, por conseguinte, relações de poder. Assim, metade das propostas contemplaram atividades ligadas diretamente à dança e ao teatro e outras com ações performativas e a presença dos corpos trans, queer e femininos no espaço público.
Já o programa de filmes e vídeos foi pensando em diálogo direto com a curadoria. A seleção dos filmes foi feita a partir da colaboração com duas instituições em São Paulo, a Cinemateca Brasileira e o Videobrasil que disponibilizaram parte de seu acervo histórico para a exibição no MASP. Três seções comentadas com a exibição de filmes de artistas brasileiros contemporâneos foram organizadas com a participação dos próprios artistas.
No meu ponto de vista, as atividades de mediação e programas públicos da exposição Histórias da sexualidade funcionaram como um espaço de verdadeiro diálogo com o público, ampliando e multiplicando o alcance da exposição.
MLS: Entre os grupos que participaram dos programas públicos estava o grupo argentino de Serigrafistas Queer. Qual foi a ideia dos curadores para poder envolver grupos que cruzam arte e ativismo? Como foi a participação desse grupo argentino em particular?
CB: Pensamos desde o princípio em envolver artistas ativistas na exposição. Uma seção importante da exposição foi dedicada aos ativismos na arte com um grupo de obras históricas e contemporâneas. Um núcleo da exposição que nos deu muito orgulho de poder realizar, pois estavam ali representadas ações, performances, publicações e obras em formatos mais tradicionais que abordavam diretamente as lutas pelos direitos sociais e pela não discriminação das minorias sexuais e de gênero. Um recorte muito necessário num contexto, o brasileiro, em que os direitos das minorias estão ameaçados, onde diariamente pelo menos um homossexual ou travesti ou transexual se torna vítima fatal por crimes de ódio e de intolerância, e que cada 11 minutos se registra um caso de estupro (em que 70% das vítimas são crianças e adolescentes), e onde cada dois dias uma mulher morre, vítima de um aborto clandestino (em sua maioria, mulheres de baixa renda e não brancas, que não têm acesso a clínicas de aborto confiáveis).
De fato, Pablo Léon de La Barra e eu sempre estivemos interessados em envolver artistas em atividades com o público, na exposição. Sabíamos também que a obra de Serigrafistas Queer ganharia muita potência se pudéssemos colocar o grupo em diálogo direto com as pessoas em uma oficina/workshop conduzido por elas. Junto com Lucas Oliveira, que era nosso colega responsável pelos programas com professores no MASP, fizemos um convite ao Serigrafistas Queer para que viessem a São Paulo. A ideia inicial de Lucas era de fazer uma conversa das artistas com professores. Finalmente, o grupo todo esteve incrivelmente envolvido e muito cooperativo e foram organizados dois dias de atividades com as artistas. Em um primeiro momento uma conversa aberta com pessoas e coletivos ligados a questões de gênero e ou que trabalhavam com a população trans e travesti em São Paulo. No segundo momento, um incrível workshop de produção de cartazes e ativismo queer com o grupo. A participação do grupo foi incrível e envolveu um grande número de pessoas.